Gramado 2017. ‘Pela Janela’, a sutileza que diz tudo


GRAMADO – Ela tem 65 anos, é chefe de produção em uma fábrica de reatores de lâmpadas, e, de repente, como tantos outros brasileiros e brasileiras, vê-se sem emprego. É ótima funcionária, responsável, exemplar. Mas, e daí? Isto é Brasil. O que fazer? Esta, a questão central de Pela Janela, lindo filme de Caroline Leone e um dos fortes candidatos aos kikitos que serão distribuídos amanhã.

Rosália, a operária, é interpretada por Magali Biff, atriz extraordinária. Ela é quem imprime o tom minimalista à construção da personagem, sob orientação da diretora. Se um diretor como Glauber sempre exigia “mais” dos atores, em busca de uma expressão quase operística, Caroline Leone pede sempre “menos”. Acha que a vida, e a emoção, se encontram mais nos detalhes, nas coisas pequenas, no miúdo, do que nas grandes cenas.

No entanto, é numa sequência gigantesca, junto às Cataratas do Iguaçu, que o filme atinge seu ápice, como numa catarse que se disfarça e não quer assumir-se como tal. Pode ser um ponto de viragem da personagem. Ou pode ser que isso se construa na cabeça do espectador, mais do que tela. Contudo, como diz a diretora, ela procurou filmar as cataratas pelo lado argentino, onde a queda d’água é mais violenta. Mais sonora e impressionante. Mais assustadora, até. O ser humano sente-se diminuto diante da força da natureza. Ao mesmo tempo, aquilo o fortalece porque recoloca os problemas do cotidiano em seus devidos lugares.

Todo o resto, no entanto, é dito nas entrelinhas e filmado com discrição e silêncios. Inclusive na escolha, feita meio a contragosto, de sair pela estrada com o irmão, José (Cacá Amaral, também notável), que precisa entregar um carro na Argentina para a filha do seu patrão. Inconsolável com a perda do emprego, Rosália topa acompanhá-lo e a viagem terá efeito sobre ela.

Há muitas entradas possíveis para essa história sensível e cheio de nuances. Em sua simplicidade, conta apenas a história de uma senhora de 65 anos, tão dedicada ao trabalho que, ao perdê-lo, sente-se sem função na vida. Essa é a linha mais aparente e, mesmo apenas com ela, tira-se grande proveito do filme.

Mas há muito mais em outras camadas, que vão se abrindo com delicadeza. Uma delas, a viagem como transformação. Esse contato com o diferente, com aquele que não fala e nem compreende direito o seu idioma. Viagem feita de maneira pouco turística, explorando ambientes simples, hotéis e pensões baratas, comércio popular, música que pouco tem a ver com o clichê que associa Argentina a tango de forma imediata.

A câmera se move com suavidade cúmplice, explorando os ambientes e, sobretudo, a expressão do rosto de Monica Biff, um instrumento de precisão. Sem me alongar muito mais, gostaria de acrescentar que esse road movie sensível é feito também de pequenos gestos e encontros, cada um dos quais com valor em si mesmos e que compõem um mosaico de compreensão para o longa como um todo. Por exemplo, quando a protagonista compra uma panela numa loja de rua no Paraná. Ou quando faz amizade com uma jovem mãe em Buenos Aires e as duas tentam se comunicar num precário idioma intermediário entre o português e o espanhol.

Tudo é muito simples e, ao mesmo tempo, muito comovente. Belo, belo filme.

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