A arte fora do eixo de Alain Tanner


Terminei a repescagem da Mostra com uma sessão tripla de Alain Tanner, o cineasta suíço de 87 anos.

Um desses filmes é o mais famoso do diretor, Jonas que Terá 25 anos no Ano 2000. Os outros dois – Na Cidade Branca e Jonas e Lila – não são tão conhecidos. Nem sei se foram um dia lançados no Brasil.

Existe um certo preconceito, o de que Tanner faria um cinema intelectual em excesso. Não me parece. Ou eu que estou por fora deste tempo meio descerebrado. Sua arte me pareceu muito clara.

Nessa clareza há um certo distanciamento brechtiano, presente para que as pessoas possam refletir sobre o que veem, ouvem e sentem. Talvez esse convite ao pensamento passe por intelectualismo hoje em dia. Vá saber…

Enfim, revi com prazer Jonas que Terá 25 anos… (1975), expressão pós-hippie, anticapitalista de certo, mas já desiludida com a revolução cultural cujo ápice foi o maio de 1968 na França (Aliás, ano que vem estaremos comemorando os 50 anos do Mai 68, talvez com o mesmo reacionarismo de fundo com que se lembram agora os 100 anos da Revolução Russa).

Enfim, com seu retrato da vida em comunidade, Tanner registra os excessos, desacertos e contradições de uma revolução que não se completou, mas deixou traços vivos nas pessoas. Sem deixar de apontar o dedo também – e principalmente – para um mundo que se torna progressivamente inviável com o fim das utopias. Falava disso em 1975. Imagine hoje…

Há um espírito semelhante em Jonas e Lila (1999), sobre o casal que vive com dificuldade material e grande abertura de espírito sobre o mundo. Ele deseja ser cineasta. Ela é uma leitora voraz e sobrevive de trabalhos temporários. Aos dois, soma-se a presença de uma imigrante russa, que trabalha em filmes pornôs e é prostituta ocasional. Jonas tem um mentor que vive em Marselha e o aconselha sobre a carreira de cineasta e sobre a arte em geral.

Tanner tem um jeito muito especial de filmar gente não convencional. Quem vive no centro de normalidade da sociedade burguesa não o interessa. Anda pelas margens. Experimenta brechas que permitam escapar (um pouco) a ao determinismo social que lhe parece cada vez mais sufocante. Seus personagens o representam nessa busca.

Na Cidade Branca (1983), que eu não conhecia, foi uma bela descoberta. É um filme de deriva, mas nunca à deriva. Vemos um Bruno Ganz ainda jovem como o marítimo que desembarca em Lisboa e abandona seu posto de trabalho. Passa a viver na cidade, apaixona-se por uma garçonete (Rosa) e escreve longas cartas à mulher que deixou em seu país natal.

Acho que poucas vezes as vielas de Lisboa, com seu encanto e mistério, com seu povo humilde, foram tão bem filmadas ou com tanto carinho. Tanner estabelece um clima, o da falta de sentido, um certo desassossego pessoano, uma imagem de angústia existencial, que não nos deixa nunca. Um grande filme, tortuoso, incompleto e lacunar. Talvez grande por tudo que lhe falta.

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