Quem viu a cerimônia do Globo de Ouro sabe que a “noite dos vestidos pretos” foi marcada pelo protesto das mulheres contra os recentes casos de assédio sexual em Hollywood.
Trata-se de um marco nesse tipo de questão: não se aceita mais esse tipo de comportamento masculino. O mundo está mudando também quanto a questões raciais e de gênero. Discriminação e violência contra mulheres, negros, indígenas e grupos não são mais tolerados. E já era tempo. Respeito com os outros deve ser o fundamento das relações.
O discurso que mais marcou esse limite foi o de Oprah Winfrey. Sincera, emotiva e lúcida, ela aludiu aos casos recentes e atrelou-os a antigas lutas contra a discriminação racial.
Concluiu que as sociedades têm seus tempos. Luta-se, às vezes de maneira desesperançada, por determinadas causas. Chega o tempo em que essas causas, justíssimas, acabam sendo abraçadas pela sociedade, ou por sua maioria. É um processo, que chega a determinado ponto depois de haver passado por etapas, idas e vindas, recuos. A natureza não dá saltos; nem a vida social, infelizmente.
Sobre os vencedores, algumas palavras.
Três Anúncios para um Crime, o grande vencedor, é um belo filme. Vai à América profunda para contar a história da mulher (Frances McDormand, melhor atriz) que não se conforma com a impunidade do assassino e estuprador de sua filha. Tem clima e bom andamento. Lembra às vezes aquele universo ríspido dos Coen.
A melhor comédia é Lady Bird: É Hora de Voar, direção da cult Greta “Frances Ha” Gewig. Saoirse Ronan (melhor atriz) é a adolescente em conflito com a mãe. Típico filme indie, sobre a fase do desapego ao ninho. É legal, tem frescor e imagina-se que a personagem seja alter ego da diretora, embora esta negue que seja uma autobiografia.
Como estava previsto, Gary Oldman ganhou como melhor ator por O Destino de uma Nação. Não tinha prá mais ninguém. Sua caracterização como Winston Churchill é magnífica. Evoca uma fase crucial da guerra, os dias de maio de 1940 quando Churchill tem de enfrentar a facção política que defende um acordo com Hitler. Esse período tem retornado em outros filmes, como Dunkirk e Churchill, situados durante a dramática retirada de Dunquerque.
James Franco ganhou melhor ator de comédia pelo filme que ele próprio dirigiu. Um filme a respeito de outro. Franco interpreta o excêntrico cineasta Tommy Wiseau que, com recursos próprios, dirigiu nos anos 1980 The Room, considerado “o pior filme de todos os tempos”, e deixando Ed Wood no chinelo. Muitos colegas implicam com Franco. Como não tenho nada a ver com isso, diverti-me com este O Artista do Desastre.
Allison Janey ganhou como coadjuvante em Eu, Tonya, outro filme que achei interessante. Segue a carreira da patinadora, treinada para vencer desde a infância pela mãe tirânica e desbocada (Allison). É também um mergulho na América, na compulsão pelo sucesso a qualquer preço e independente de qualquer noção ética.
A melhor animação é Viva – A vida é uma festa, da Pixar/Disney. Com história ambientada na Festa do Dia dos Mortos, no México, é uma das melhores animações “industriais” que vi nos últimos anos. Embarca na cultura mexicana com notável colorido e senso musical. Beleza de filme.
Abaixo, a premiação completa:
CINEMA
Melhor filme de drama
Três Anúncios Para um Crime
Melhor atriz em filme de drama
Frances McDormand, Três Anúncios Para um Crime
Melhor ator em filme de drama
Gary Oldman, O Destino de uma Nação
Melhor filme de comédia ou musical
Lady Bird: É Hora de Voar
Melhor atriz em filme de comédia ou musical
Saoirse Ronan, Lady Bird: É Hora de Voar
Melhor ator em filme de comédia ou musical
James Franco, O Artista do Desastre
Melhor atriz coadjuvante
Allison Janney, Eu, Tonya
Melhor ator coadjuvante
Sam Rockwell, Três Anúncios Para um Crime
Melhor diretor
Guillermo Del Toro, A Forma da Água
Melhor roteiro
Martin McDonagh, Três Anúncios Para um Crime
Melhor filme em língua estrangeira
Em Pedaços (Alemanha/França)
Melhor canção original
This Is Me, de Benj Pasek e Justin Paul para O Rei do Show
Melhor animação
Viva: A Vida é uma Festa
Melhor trilha sonora
Alexandre Desplat, A Forma da Água