‘A Melhor Escolha’: pacifista mas nada ingênuo


Muitos anos depois de terem lutado no Vietnã, três amigos voltam a se reencontrar. A circunstância não é nada festiva – o filho de um deles, mariner como o pai e os amigos deste, foi morto no Iraque. Larry ‘Doc’ Shepherd (Steve Carell) pede que seus antigos colegas de armas, Sal Nealon (Bryan Cranston) e Laurence Fishburne (Richard Mueller) o acompanhem para receber o corpo do rapaz e enterrá-lo.

A Melhor Escolha (Last Flag Flying), de Richard Linklater, faz desse enredo uma confluência de temas. O reencontro de velhos amigos que há muito não se reveem não se limita à esfera pessoal envolvida nesse tipo de situação. É também comentário da implacável passagem do tempo e de como tudo muda para que, às vezes, tudo permaneça igual, como se diz em O Leopardo, romance de Tomasi di Lampedusa adaptado por Luchino Visconti para o cinema.

No caso, o que não muda é intervencionismo americano. “Cada geração tem sua guerra”, diz um personagem a outro. De fato, antes deles, fora a Coreia; com eles, o Vietnã. Agora, em 2003 (o tempo do filme), o Iraque, que leva o filho de outro deles. O que será amanhã? Não se sabe. O certo é que haverá outra guerra e mais outra, envolvendo gerações sucessivas.

O aspecto humano amplifica a dimensão política do drama. São três destinos muito diferentes. ‘Doc’, o pai enlutado pela morte do filho, passou algum tempo na prisão depois de dar baixa. Sal é dono de um bar, cínico e desbocado, mas também consciência crítica do trio. Mueller tornou-se pastor evangélico depois de lutar com seus fantasmas e limitações.

Como todo filme de Linklater (Boyhood) este é muito falado e cheio de arestas. É pacifista, mas não de maneira ingênua. O sentimento dos três ex-combatentes em relação à Marinha é ambivalente. A expectativa de uns em relação a outros também é ambígua. Há o desconforto em cada um de reencontrar o outro e nele ver o espelho do seu próprio envelhecimento. Mas, numa sequência hilária, esse processo da decadência é ironizado e colocado em perspectiva.

Numa história que tem lá suas inconsistências, brilha o trio de atores. E, entre eles, Bryan Cranston, num papel difícil e pleno de nuances. Só por ele, o filme já valeria. Mas A Melhor Escolha tem muito mais a oferecer ao espectador. A começar por uma frase antológica: “Os americanos são os únicos que estranham quando os ocupados não gostam dos ocupantes”. Bingo.

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