Tungstênio: tanta violência mas tanta ternura


Em Tungstênio, Heitor Dhalia (de Nina e O Cheiro do Ralo), põe em foco uma Bahia consumida por conflitos sociais, em que pequenos malfeitores convivem com policiais pouco confiáveis. A fronteira entre os dois campos é tênue, para não dizer inexistente. A história é baseada na HQ homônima de Marcello Quintanilha.

Dois pequenos meliantes, Liece (Pedro Wagner) e Poró (Sergio Laurentino) pescam usando explosivos, prática predatória que é proibida por lei. São observados por um indignado militar da reserva, o ex-sargento Ney (José Dumont), e por um pequeno transgressor, o jovem traficante Cajú (Wesley Guimarães). Este é informante de um policial violento, Richard (Fabrício Boliveira), chamado a intervir no caso dos pescadores ilegais. Richard mantém um relacionamento abusivo com Keira (Samira Carvalho), que ameaça abandoná-lo mas hesita em fazê-lo.

A história tem narrativa em off com a voz de Milhem Cortaz. Um narrador onisciente, que conhece as contradições dos personagens, comenta suas ações e os aconselha como agir. Quase um coro grego da ação dramática.

A estrutura do filme sofre um pouco com a adaptação. Sequências que talvez funcionem muito bem como história em quadrinhos perdem dinamismo nas imagens em movimento do cinema. É o caso da tensa sequência inicial do relacionamento entre seu seu Ney e o garoto Cajú. Algo nela parece demorar demais para se resolver. Também não soa muito eficaz o expediente de congelar as cenas quanto entra a voz off de Cortaz. Repetida à exaustão, freia o filme e não se encaixa de maneira natural.

Em todo caso, mesmo tropeçando às vezes, a trama evolui. Põe em evidência a complexidade de uma sociedade de papéis um tanto indefinidos, em que todos suam para sobreviver e portanto vivem em situação de conflito permanente. Tudo parece um tanto gritado e exasperado demais, mas talvez porque seja o diretor tenha escolhido um registro menos naturalista que expressionista, tom mais adequado para retratar um país como o Brasil. Nesse ambiente em que todos parecem se entredevorar, não falta espaço para a ternura, muitas vezes diluída no excesso de violência.

O elenco é quase todo excepcional. Boliveira faz um tipo truculento e no entanto frágil no âmago do seu ser. Dumont é o ex-milico rígido, mas dono de um coração. Cajú é uma estreia promissora de Wesley Guimarães e o mesmo se pode dizer de Samira Carvalho no papel de Keira.

Tungstênio é um filme de valor, com seus impasses e entraves. Um retrato febril do povo brasileiro que, como o metal aludido, é dúctil e resistente, senão não teria sobrevivido até agora.

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