Onde está você, João Gilberto?


O filme que entrou em cartaz tem por título uma pergunta irrespondível: Onde Está Você, João Gilberto? A localização física do mitológico fundador da bossa nova até pode ser estabelecida. Mas saber onde, de fato, estará João Gilberto, necessitaria de um GPS espiritual dos mais afinados. É mais ou menos isso, essa busca do impossível e do inefável, que motiva o documentarista francês Georges Gachot, a ser homenageado na abertura do festival.

Justa homenagem, por sinal. Gachot é um apaixonado pelo Brasil através da vertente cultural mais forte do País – a sua música. Seu documentário Onde Está Você, João Gilberto? é o quarto dedicado aos músicos e à música do Brasil. Maria Bethânia – Música É Perfume (2005), Nana Caymmi em Rio Sonata (2010) e O Samba (2014) também serão apresentados no quadro do festival.

Com Onde Está Você, João Gilberto?, Gachot encara seu personagem mais desafiador. Afinal, Bethânia, Nana e Martinho da Vila, personagem principal de O Samba, estão por aí, disponíveis para entrevistas e muito contentes de serem lembrados por um cineasta estrangeiro. João é arredio. Mais que isso: é um eremita contemporâneo, um anacoreta em tempos de redes sociais e auto-exposição. Isolou-se do mundo e pouca gente consegue falar com ele.

Por isso o filme de Gachot tem origem no livro Ho-Ba-La-Lá – à Procura de João Gilberto, de Marc Fisher, editado no Brasil em 2011 pela Cia das Letras. O texto é a história dessa busca obsessiva por um personagem que não deseja ser encontrado. E que trouxe ao Brasil o alemão que, até uma iluminadora viagem ao Japão de João Gilberto sabia apenas que era intérprete de Garota de Ipanema.

“Um japonês me transmitiu o vírus” – Fischer conta em seu livro. Foi lá que ele conheceu um certo Toshimitsu Aono, que mantinha em sua casa uma espécie de relicário de João Gilberto, com objetos, discos e fotografias. Um fanático. No centro do altar, erguia-se um LP, um velho bolachão, com a foto de um homem de pulôver branco e mão no queixo – João. A capa é do seu primeiro álbum, Chega de Saudade. Mas o japonês não colocou na vitrola (sim, vitrola…) a faixa-título, de Tom Jobim & Vinícius de Morais. Buscou com o braço do toca-discos a faixa quatro do lado um: Ho-ba-la-lá, a onomatopeia que dá nome a uma das poucas composições de João Gilberto. A voz, o ritmo, o violão, a simplicidade cheia de sofisticação conquistaram o alemão. Teve uma epifania. E esta o trouxe ao Brasil e à busca de alguém que não queria ser encontrado. O livro é o encantador relato dessa busca impossível. O cineasta segue os rastros deixados pelo escritor alemão, que se suicidou em 2011 aos 40 anos. Sem ter ouvido João cantar para ele, como desejava.

Gachot segue as pistas deixadas por Fischer, talvez na ilusão de ser melhor sucedido que o alemão. Entra em contato até mesmo com Raquel Balassiano, a intérprete que havia ajudado Fischer e que ele chamava de “Watson” porque se considerava um Sherlock Holmes em busca de João Gilberto.

Fala com músicos como João Donato, Roberto Menescal e Marcos Valle. Conversa com Otávio Terceiro, amigo e empresário de João Gilberto. Ouve “Garrincha”, o famoso cozinheiro da churrascaria Plataforma, que preparava o prato favorito de João – filé grelhado no sal grosso, com arroz maluco e farofa. Conversa com o barbeiro que corta o cabelo de João. E se diverte com Miúcha, ex-mulher de João e mãe da filha dos dois, a também cantora Bebel, que mora nos Estados Unidos e há pouco pediu a interdição judicial do pai.

Na conversa num restaurante, Miúcha atende ao celular e fala de maneira animada. Desliga e diz: “Era o João”, para um perplexo Gachot. “Ele tem uma antena, sabe quando estão falando dele”, diz Miúcha.

As entrevistas de Gachot com João Donato, Marcos Valle e Roberto Menescal não são menos interessantes. Donato conta como os dois compuseram Minha Saudade. E, aproveitando o título da canção, diz sentir muita saudade de João, refletindo sobre a vida que separa amigos e pessoas querida.

Marcos Valle conta uma história interessante. Estava numa festa quando Almir Chediak o chamou ao telefone e disse que João Gilberto queria falar com ele. O compositor de Samba de Verão ouviu, encantado, João dizer do outro lado da linha que era seu fã e se podia cantar para ele algumas músicas do próprio Valle. “A festa para mim acabou ali. Fiquei só ouvindo o João cantar minhas músicas”, diz.

Menescal conta que João lhe pediu umas camisas emprestadas para fazer a foto de capa de um dos seus discos e nunca mais as devolveu. “Era muito envolvente, precisei me afastar dele para poder fazer o meu próprio caminho”, conta o grande compositor, autor de músicas fundamentais da bossa nova como O Barquinho, Você, Nós e o Mar e tantas outras.

Mas será o produtor Otávio Terceiro o guia seguro a conduzir Gachot a João Gilberto e assim realizar de maneira póstuma o sonho de Marc Fischer. Bom, pelo menos era o que Gachot supunha. O filme é delicioso. E emocionante. Revela um amor estrangeiro pelas coisas do País como já não se observa no próprio Brasil.

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