Dogman, de Matteo Garrone, deu a Palma de Ouro de ator a Marcello Fonte, seu protagonista. É um caso curioso, pois de antiglamour. Marcello é o dono de um petshop na periferia de Castel Volturno, soturna cidade da Campânia, ao Sul do país. É um local semi-desértico, com prédios abandonados e onde grassa a violência.
A história, baseada em fatos reais, se concentra na relação entre o frágil Marcello e o brutamontes Simone (Edoardo Pesce), um encrenqueiro que atormenta os outros moradores com seus crimes e ações violentas.
A relação entre Marcello e Simone, ambivalente, misto de amizade, cumplicidade e abuso, encaminha-se para um desfecho trágico, de um brutalismo seco. Filme muito forte.
Deve ser dito que, em determinados filmes, Garrone exerce uma espécie de realismo bruto. Mais que nada esconder, parece se empenhar em expor o desagradável e buscar o limite de tolerância do espectador. Era já assim em seu filme mais famoso, Gomorra (da obra de Roberto Saviano) sobre a “máfia” napolitana, a Camorra. A Itália que mostra é o avesso do cartão postal de um dos países mais belos do mundo, dono de boa parte do patrimônio artístico da humanidade.
Pois bem, essa Itália nada tem de bela, nem de romântica ou mesmo de sagaz. Mostra gente na tentativa de sobrevivência do dia a dia, explorada pelos mais fortes e tendo que tirar dos mais fracos na tentativa de manter a cabeça fora d’água.
Castel Volturno, nesse sentido, apareceu como uma locação já pronta para essa estética da desolação. É um daqueles lugares opressivos, em que toda esperança é mantida do lado de fora, como dizia Dante Alighieri na entrada do inferno em sua Divina Comédia.
É nesse ambiente sujo que pode reinar um tipo como Simone, um brutamontes viciado em drogas e em violência. Mas é também aí que vive sua antítese, o frágil Marcello, que lida com cães ferozes e os amansa. Marcello vive um cotidiano infeliz, no qual a possibilidade de alguma alegria está em encontrar sua filha e poderem praticar o esporte que adoram, o mergulho.
No entanto, as raras imagens idílicas do filme são vestidas de um tal onirismo que somos levados a desconfiar que tratam mais de sonhos que de realidade.
De qualquer forma, seriam o episódico escape de Marcello a uma realidade que o oprime a cada dia mais. Não parece haver escapatória. Frágil, ele se acerca de Simoncino em busca de proteção. É uma relação dual. O bruto tanto dá proteção como oprime. Ganha em troca drogas e quer mais – exige cumplicidade em assaltos. A relação se desequilibra cada vez mais.
À parte a forte trama central – baseada, pelo que se sabe, em um caso real – Dogman é também uma notação aguda sobre a vida contemporânea. Em sociedades polarizadas (a Itália é uma delas), com a proximidade da anomia, as relações conflituosas não encontram mediações. Sem intermediários críveis, a fricção é inevitável. E explode em violência. Esse é o traço contemporâneo para pensar a política. Ou, melhor dizendo, a sua ausência.