Quarentena (6). Juárez: viagem ao México


Ontem à noite fomos ao México.

Quer dizer, em nossa sessão noturna de cinema doméstico o foco foi o nosso amado México, terra de Zapata e Pancho Villa. Vimos Juárez (1939), de William Dieterle, uma produção norte-americana. Em seguida, lembrei que havia um documentário na Netflix chamado Pátria, de Paco Ignácio Taibo II, falando justamente daquele período da história mexicana, segunda metade do século 19.

Cabe uma contextualização. Tenho grande admiração pelo escritor espanhol-mexicano Paco Taibo desde que li sua excelente biografia de Che Guevara, em meados dos anos 1990. Já nem sei mais onde comprei o livro, talvez em Havana, talvez numa escala aérea em Caracas. Francamente não me lembro. Um catatau de quase mil páginas, lidas em estado de transe porque Taibo escreve diabolicamente bem.

Bem, há dois anos Rô e eu estivemos na Riviera Maya e demos uma esticada à Cidade do México antes de voltar ao Brasil. Lendo os cadernos culturais, soubemos que Taibo havia acabado de lançar uma trilogia de sucesso chamada Pátria (2017). Compramos os três volumes e, um deles, o segundo, trata exatamente do período abordado no filme, “La intervención francesa”.

No documentário da Netflix, Taibo viaja por várias regiões do México onde se deram os fatos históricos de que trata em seu livro. Ele é um bom cicerone, dando uma aula de história nada chata ou convencional, mesmo porque consegue unir erudição e humor, não economizando palavrões quando se entusiasma (“hijo de la chingada”, “pinche” fulano ou beltrano). Ninguém xinga com a verve de um mexicano, podem acreditar. Enfim, recomendo o documentário. E também os livros, se os encontrarem por aí. Que eu saiba, não foram traduzidos.

Há outra coisa em relação a Juárez. Como falava em post anterior, andamos vendo alguns filmes de John Huston, diretor a quem muito prezo, embora reconheça que tem carreira irregular. Mas quem dirigiu filmes como O Tesouro de Sierra Madre, O Segredo das Joias, Moby Dick, Os Desajustados, À Sombra do Vulcão e Os Vivos e os Mortos merece lugar no panteão. Desculpemos seus pecados.

Huston escreveu o roteiro de Juárez. Não havia ainda dirigido seu primeiro longa, o que faria apenas dois anos depois, e seria um clássico do cinema noir, Falcão Maltês, Relíquia Macabra (1941) para nosotros, tirado de Dashiell Hammett e com Humphrey Bogart como o detetive Sam Spade.

Leio no guia da Time Out que Huston se queixava de alterações feitas no roteiro de Juárez por Paul Muni, o protagonista. O texto, reescrito pelo cunhado de Muni, teria provocado danos irreparáveis ao filme. Huston comenta, com ironia: “No modo de ver de Muni, suas contribuições para as artes dramáticas são para o enriquecimento do mundo”.

De fato, há algo de muito edificante em Juárez, em especial no comportamento idealizado (quase o tempo todo) do monarca títere (Brian Aherne) que a França de Napoleão III impõe ao México para colonizá-lo. Juárez (Muni) lidera a resistência defende a independência do seu país e a vigência da constituição democrática. O rei é apresentado como uma figura benigna, que apenas quer o bem do povo, assim como Juárez. Somente uma palavra os separa, “democracia”, inaceitável para o rei, ponto inegociável para Juárez. Essa simples palavra significava um oceano inteiro a separá-los, o Habsburgo loiro de olhos azuis, o indígena pobre que, por seu esforço e inteligência se tornaria um pai da pátria. A ponto de não haver conversa possível entre eles, solução de compromisso ou negociação. Apenas luta.

Com todos os defeitos do filme (e que não são poucos), ainda assim é uma interessante introdução a esse período histórico mexicano. Uma Bete Davis jovem interpreta a imperatriz Carlota, esposa de Maximiliano. John Garfield vive o revolucionário Porfírio Diaz, que depois se tornaria ditador. E, num papel secundário aparece um ator a quem admiro, Louis Calhern (Tem um papel marcante como o advogado corrupto em O Segredo das Joias, contracenando com uma iniciante, Marilyn Monroe.). Paul Muni, o primeiro Scarface do cinema, parece um busto ambulante como Juárez. Uma estátua que fala.

Mas a dignidade da história mexicana, esta ninguém tira. Que povo valente. E nem tínhamos chegado ainda à revolução de 1910.

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