Os vencedores do É Tudo Verdade


Libelu – Abaixo a Ditadura, de Diógenes Muniz, venceu a Competição Brasileira de Longas e Médias-Metragens

Colective, de Alexander Nanau, foi eleito o melhor longa da Competição Internacional de Longas e Médias-Metragens

Filhas de Lavadeiras e Meu País Tão Lindo foram premiados como melhor curta-metragem, respectivamente, brasileiro e internacional

Em edição online, forçada pela pandemia, o É Tudo Verdade apresentou uma das melhores seleções de filmes da sua história de 25 anos. Vi muita coisa boa, excelente mesmo.

Em termos de cinema brasileiro, gostei muito de Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil, de Carol Benjamin, e Segredos do Putumayo, de Aurélio Michiles. São, a meu ver, os dois filmes brasileiros mais fortes desta edição. Receberam menção honrosa do júri.

O primeiro faz a costura entre três gerações de uma mesma família assombrada pela violência da ditadura militar. Diz muito sobre nós e como e por que chegamos até aqui.

De violência também fala Putumayo numa história de exploração colonial do ciclo da borracha que custou a vida de 30 mil indígenas. Seria apenas a evocação de um passado trágico caso a violência contra os povos originários não se perpetuasse até os dias de hoje.

Também destacaria a originalidade e o frescor de Meu Querido Supermercado, de Tali Yankelevich, uma exposição de microcosmo com personagens que nos surpreendem e encantam o tempo todo.

Entre os estrangeiros, me chamaram a atenção os filmes políticos como 1982 (Argentina), Golpe 53 (Irã) e O Rolo Proibido (Canadá). O polonês O Rei Nu costura momentos das revoluções no Irã e na Polônia, tendo como inspiração os textos do grande jornalista Ryszard Kapuscinski. Com a ressalva de que não vi o vencedor, Colective, talvez este seja o meu favoritoTalvez seja o meu favorito, com sua imersão no duro factual das lutas contra as ditaduras, porém com linguagem por vezes alusiva e poética. Seu lado meditativo sobre a política e as revoluções também me estimulou. Usa um texto de Kapuscinski presente nas páginas finais do seu livro O Xá dos Xás (Cia das Letras), reportagem sobre a queda do xá Reza Pahlevi em 1979. Como é possível a revolta para derrubar um ditador? Kapuscinski escreve que a rebelião é uma vivência e tanto, um momento de ideia fixa em que as pessoas projetam-se fora dos seus egos. Tudo então parece possível e o medo é vencido. “Mas chega um momento em que tal estado de euforia se extingue e tudo acaba.” Voltamos para nossa vidinha: “Aquela repentina queda de temperatura, aquela mudança de clima, faz parte das mais desagradáveis e depressivas experiências”. Lembro que essa queda de tônus, vivida como luto, foi estudada por João Moreira Salles em seu imprescindível No Intenso Agora.

Também entre os estrangeiros, o xodó de muita gente que acompanhou o festival foi chileno O Espião, de Maite Alberdi. Originalíssima história em que um senhor de idade, Sérgio, recém viúvo, é contratado por uma agência de detetives para se infiltrar num asilo de idosos. Sua função é investigar se uma determinada hóspede está sendo bem o mal tratada na instituição. Com esse pretexto ficcional, o filme torna-se uma carinhosa e profunda imersão nesses lares de velhos, nos conflitos, angústias, esperanças e alegrias desses hóspedes às vezes esquecidos pelas famílias. Delicioso. Recebeu uma menção honrosa do júri.

O curta-metragem brasileiro vencedor, Filhas de Lavadeiras, de Edileuza Penha de Souza, é comovente. Traz mulheres negras bem-sucedidas, como Benedita da Silva, Ruth de Souza e Conceição Evaristo, entre outras, lembrando-se de suas mães, que lavavam roupa para fora para poderem dar um futuro melhor às suas filhas. Em sua simplicidade, é afirmativo e fala muito da questão central do racismo estrutural à brasileira.

O festival escolheu dois filmes fortes para abrir e fechar o evento. Na abertura, mais um clássico de Patricio Guzmán, A Cordilheira dos Sonhos, fecho de sua trilogia sobre a ditadura chilena. No encerramento, Wim Wenders Desperado, dirigido por Andreas Frege e Eric Friedler.

Dois filmes importantes, intensos, algo atormentados. Um, exprimindo o desalento político diante de um presente que ainda traz muito da antiga ditadura. Como se o tempo não passasse. No segundo, o percurso atormentado de um criador, alemão, que tenta enraizar-se nos Estados Unidos a ponto de tornar-se norte-americano até que, pelo sofrimento de um fracasso – Hammett – se reconhece como europeu e alemão. Seu grande sucesso, Paris, Texas, não é norte-americano. É um filme europeu sobre os Estados Unidos. Não mudamos de nacionalidade como trocamos de camisa.

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