Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou


O filme escolhido pelo Brasil para disputar uma das vagas no Oscar tem nome comprido e um tanto estranho. Chama-se Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou. Dirigido por Bárbara Paz, trata da vida e da morte do cineasta Hector Babenco (1946-2016), com quem era casada.

Babenco lutou anos contra o câncer que acabou por levá-lo. O filme fala desse embate da vida contra a morte em seu estágio final. Mas também é um mergulho na trajetória do diretor de obras como Pixote -a Lei do Mais Fraco, Brincando nos Campos do Senhor, Ironweed, Lúcio Flávio – Passageiro da Agonia, Carandiru, Coração Iluminado, até chegar ao último, O Amigo Hindu, em que ele (através do seu alter ego Willem Dafoe) e a própria doença são os personagens principais.

O filme ganha uma unidade fotográfica muito bonita. São em preto e branco tanto cenas domésticas, algumas em hospitais e clínicas, até as dos próprios filmes de Babenco, mesmo que estes sejam, na origem, em cores.

Mais que elegância estética, o que marca quem o assiste é o trabalho subjetivo da obra. Em certo sentido, lembra O Filme de Nick (1980), em que Wim Wenders retrata o processo de agonia do cineasta Nicholas Ray, também ele doente de câncer e morto em 1979. Há um problema ético aí. Pergunta-se até que ponto é lícito colocar uma câmera intrusiva no registro dos últimos dias de uma pessoa gravemente enferma, ou seja, filmar a morte em seu trabalho. Quando lançado, O Filme de Nick suscitou esse tipo de reparo. No entanto, a meu ver, é respondido pela própria obra. Ray permite a filmagem até o momento em que esta se torna intolerável e então pronuncia uma única palavra – “Cut!” – impondo o limite. Quando se filma a morte – ou o sexo – deve-se saber até onde ir e quando e como cortar.

Nesse ponto, acredito, não existe qualquer objeção a ser feita sobre Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou. Pelo tom adotado, não é nunca exercício de voyeurismo mórbido, mas celebração da vida. Traz um homem doente, e cheio de lucidez, e sua jovem esposa empenhados em deixar um testamento artístico e amoroso. Desse modo, o filme acaba sendo, de fato, sobre a vida. E de como ela é preciosa, apesar de tudo.

Por isso, talvez a sequência mais significativa seja aquela em que Bárbara dança ao som de Singin’in The Rain na filmagem de O Amigo Hindu, sob a direção do seu marido, no melhor momento de sua despedida. É uma celebração sem palavras de Eros contra Tânatos, e o filme ainda reserva um desfecho inusitado, gravado em país distante, ideia que sai de uma anedota do próprio Babenco.

Tanto o voyeurismo mórbido como a pieguice são evitados – e vem daí a força da obra. Seria gratuito  dourar com emoção fácil esta que é, também, uma cerimônia de adeus. No entanto, o filme respeita um traço de personalidade do próprio Babenco, homem duro, avesso a excessos melodramáticos. Calibrar a contenção, sem transformá-la em secura, é um dos trunfos desse filme emocionante, dentro da medida.

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