Luiz Zanin Oricchio
Onde quer que Sérgio Mamberti aparecesse era saudado como o eterno Tio Victor, de Castelo Rá-tim-Bum. Com seu invencível bom-humor, ele não se importava em atender os fãs. Mas as pessoas que tiravam selfies com ele talvez não soubessem da importância de Mamberti para o cinema brasileiro.
Quem sempre soube disso foram os cinéfilos que se lembravam de sua aparição, tão breve quanto marcante, em um dos clássicos do cinema brasileiro, O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla. Mamberti faz um rapaz gay que toma um táxi e, afetado, não pára de falar e dirigir gracejos ao motorista. Que não é outro senão o próprio Bandido, interpretado por Paulo Villaça. A sequência, Mamberti contava, era toda improvisada. “O Sganzerla me disse para fazer e falar o que bem entendesse. Foi o que fiz”, dizia.
Em sua ativa vida artística, Mamberti participou em nada menos que 36 filmes, cerca de 40 novelas e 80 peças de teatro. Deixou sua digital em cada produção, mesmo quando seus papéis não eram protagonistas. Fazia valer a máxima de que não existem papéis pequenos, apenas atores menores. Ele tornava grande cada linha que interpretava, fosse no palco, na tela grande do cinema ou na telinha da TV. Tinha carisma, essa qualidade indefinível que separa os artistas notáveis dos apenas bons.
Mamberti começou sua carreira múltipla pelo palco, estreando em 1963 como ator em Antígone América, peça dirigida por Antônio Abujamra. Participou da célebre montagem de O Balcão, de Jean Genet, pela qual recebeu o prêmio Governador do Estado como melhor ator coadjuvante. A peça, adaptada à realidade brasileira, apontava o dedo para a ditadura militar, então vigente. Com outra peça, Réveillon, ganhou o Prêmio Molière de melhor ator. Ao longo da vida interpretou de Shakespeare a Molière, sempre com grande sucesso e talento. Tem em Pérola, de Mauro Rasi, um dos seus maiores êxitos. Ao longo de sua trajetória, brilhou na TV, em novelas como Vale Tudo, na qual fazia o mordomo Eugênio, que roubava cenas quando entrava. Também deixou sua marca em As Pupilas do Senhor Reitor, Brilhante, e O Clone, além da mais recente Sol Nascente.
No cinema, prosseguiu carreira com papéis em filmes importantes como Toda Nudez Será Castigada, que Arnaldo Jabor adaptou de Nelson Rodrigues. Em O Olho Mágico do Amor, de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, vive o dono de uma associação protetora de pássaros. Interpreta um senador em Avaeté, Semente da Violência, de Zelito Viana. É um juiz em Beijos 2348/72 e um padre em Efeito Ilha, de Gal Pereira. Cabe lembrar que na versão cinematográfica de Castelo Rá-Tim-Bum, de Cao Hambúrguer, reviveu seu personagem da TV, o notável Doutor Victor Stradivarius. Trabalhou também em A Hora da Estrela, de Suzana Amaral, e A Dama do Cine Shangai, de Guilherme de Almeida Prado.
Em meio a essa atividade múltipla encontrava tempo para dedicar-se à política. Fundador do PT, Mamberti ocupou diversos cargos da área cultural nos governos Lula e Dilma Rousseff. Foi Secretário de Música e Artes Cênicas, Secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, Presidente da Funarte e Secretário de Políticas Culturais. Com grande trânsito entre artistas e espírito agregador, Mamberti destacou-se como gestor num tempo em que a cultura era levada a sério no país.
Cheio de energia, dedicou-se nos últimos tempos a vários projetos. Escreveu e lançou uma autobiografia, Sérgio Mamberti: Senhor do Meu Tempo. Tinha em vista um longa-metragem, e também uma série para o streaming, colocando em cena de novo o Doutor Victor.
O diretor Evaldo Mocarzel prepara um longa documental sobre sua vida e obra. O longa já está sendo montado e parte de uma viagem de retorno de Sérgio Mamberti a Santos, sua cidade natal. Memorialístico e trabalhando com material de arquivo, descortina 60 anos de vida cultural do país. Além disso, Evaldo está fazendo uma série de três programas sobre o Mamberti para o SescTV. No primeiro, o início de sua trajetória e a parte inicial da carreira no teatro. No segundo, só sua participação no cinema. No terceiro, televisão e política.