‘Aranha’, a teia da extrema-direita na América Latina


Aranha, do chileno Andrés Wood, lembra as ações do movimento de extrema-direita Pátria y Libertad, que cometeu vários crimes para combater e desestabilizar o governo de Salvador Allende. Aranha é uma ficção em torno do que aconteceu na realidade – o título se refere ao símbolo de um movimento que se queria anticapitalista de um lado e anticomunista de outro. Daí se vê como essas extravagâncias ideológicas encontram terreno fértil em nossas terras. Aqui mesmo já foi dito que o nacional-socialismo, vulgo nazismo, era um partido de esquerda…e nem por isso as pessoas estranharam.

Em Aranha, temos o enlace indigesto do passado com o presente. Um menino de rua assalta alguém e foge com a bolsa roubada nas mãos. Recebe a implacável perseguição de um motorista que passava pela rua naquele momento. Tudo termina de forma trágica, com o ladrão prensado pelo carro contra um muro. O menino morre e o motorista é aplaudido pelas “pessoas de bem” que assistem ao ato. Isso não impede que o “herói” seja preso. Em sua casa descobrem um arsenal e vínculos com um passado sinistro.

Ele se chama Gerardo e a ligação com o passado é feita através de Inês (Mercedes Morán e Maria Valverde em duas fases da vida). Gerardo jovem é um tipo violento, cooptado como braço armado para o Patria y Libertad, formado por estudantes como Inés e seu noivo, Justo. Ativista de direita na juventude, Inés é hoje próspera empresária que deseja tudo menos ver seu nome vinculado ao ativismo da mocidade.

O filme boia, portanto, entre esses dois tempos. Os atuais, com o Chile neoliberal sendo contestado pelos jovens nas ruas, e o do passado, com o governo da Unidade Popular enfrentando Estados Unidos, empresários contrariados, boicotes, classe média ressentida e terroristas de extrema-direita. Sob tal pressão, Allende foi derrubado em 11 de setembro de 1973. O Chile de hoje é herdeiro do Chile de outrora. Mas parece disposto a jogar no lixo esse legado incômodo.

Bem conduzido entre a narrativa do presente e o flashback, Aranha fornece um retrato febril desses nossos países em que o passado parece não passar. Traça um perfil bastante crível das classes dominantes, e coloca em jogo outras pulsões no andamento histórico, além das razões de classe e seus interesses econômicos. O triângulo formado por Inês, Justo e Gerardo pode muito bem simbolizar também as uniões efêmeras das camadas dominantes com as populares, iludidas com os apelos da direita. Quando e como isso convém, findo o que, as alianças e ocasião se dissolvem.

Aranha é muito bom filme, dirigido com sobriedade, do qual a paixão não está ausente. Andrés Wood é também diretor de Machuca, sobre a ditadura vista por olhos infantis.

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