FORTALEZA – Vazio, de Paul Venegas, terceiro filme da mostra competitiva ibero-americana, vem do Equador. Fala da imigração – esse tema quase onipresente da modernidade. Lei e Wong chegam clandestinos a Guaiaquil, no Equador. Duas condições distintas e dois sonhos diferentes. Ela deseja fazer um curto estágio no Equador, mas sua aspiração é chegar a Nova York. Ele deixou um filho na China e espera trazer o garoto para perto de si tão logo tenha condições para tal.
Não há apenas vilões na história. Os dois imigrantes acabam sob o domínio de um tipo dos mais escusos, Chang, que comanda vários negócios no país – do jogo à agiotagem e o tráfico de drogas. Para Chan, Lei e Wong não passam de marionetes, seres humanos para serem usados. Ela em especial, que desperta uma atração obsessiva em Zhang. Mas, em compensação, há o bondoso senhor Lu, um velho sábio chinês, que hospeda os imigrantes em sua casa.
O filme se desenvolve um pouco no esquema de um thriller. Que encerra um paradoxo: para escapar ao domínio de Zhang, e tornar realidade os seus sonhos, Lei e Wong terão de, em primeiro lugar, colaborar com ele. Ou seja, ceder ao “inimigo” para melhor vencê-lo.
Há essa estratégia e também há a ambientação interessante no Equador, com seus ritmos, seu calor, sua ambiência bem latina – em contraste com a cultura e a postura dos que vieram da China ganhar a vida tão longe de seu país de origem. Esse lado, digamos assim, antropológico, de choque de culturas, talvez seja o que o filme tem de mais interessante.
Na entrevista, o diretor conta que o elenco é formado por atores não profissionais. Os chamados atores “naturais”, recrutados entre a comunidade chinesa de Guaiaquil. Muitos não falavam o espanhol. Mas puderam se comunicar bem com o diretor que, economista de formação, morou por seis anos na China e, como ele diz, “se vira bem em mandarim”. Fez o casting e o que se pode dizer é que suas escolhas foram felizes – os atores e atrizes assimilam muito bem seus papéis ficcionais que, claro, tem muito a ver com suas histórias reais.
Há uma comunidade chinesa em Guaiaquil, uma Chinatown local, fruto de uma imigração que já conta 120 anos de história nessa que é a principal cidade do país, maior que a capital, Quito, porto importante e muito significativo do ponto de vista econômico. O filme tem sido bem recebido – venceu o Bafici, o principal festival de cinema da Argentina. Mas está proibido na China. As autoridades chinesas não gostaram da maneira como a imigração é retratada. Aliás, negam que haja uma imigração chinesa e, sobretudo, que os Estados Unidos sejam um foco de atenção desses imigrantes modernos. A geopolítica explica.
CURTAS
Encarnado, de Otávio Almeida e Ana Clara Ribeiro, é um curta do Piauí, até agora o mais hermético da competição. Não se trata de esoterismo vazio. A dupla de diretores decidiu mostrar o sertão no que ele tem de mítico e mesmo de arquetípico. Registram imagens belíssimas de cânions do sertão piauiense, imagens rupestres, cavernas e riachos que serpenteiam entre as pedras. Nessa paisagem, surgem dois personagens silenciosos que representam outro arquétipo, o sertanejo que, dizia Euclides da Cunha, é antes de tudo um forte. Enigmático e sensorial, o filme marca pela beleza profunda de suas imagens. Difícil transcrever a experiência cinematográfica desse filme sem diálogos em palavras.
Chão de Fábrica. Se o anterior é o mais hermético, este é o mais político. Transposto de uma peça da Companhia do Latão, apresenta quatro personagens femininas encerradas em um banheiro na hora das refeições. Quatro operárias, que encontram aquele espaço de intimidade e falam de si mesmas, dos sonhos que alimentam, das frustrações que as entristecem, de suas vidas, enfim. A diretora disse que buscava a presença feminina nas greves dos anos 1970 e 1980 no ABC, que modificaram a história brasileira. Essa imagem das mulheres foi invisibilizada e apagada da história. Na contraluz dessa presença feminina, uma grande presença masculina – Lula, o líder metalúrgico que se projetava e habitava também o imaginário da classe operária brasileira – inclusive o das mulheres trabalhadoras. Um filme lindo, pungente – e muito engajado ao recordar o passado, trazer para a linha de frente figuras esquecidas e projetar-se para o futuro.
O primeiro filme a gente nunca esquece
Durante a tarde, o Cineteatro São Luiz recebeu um público diferente. Centenas de crianças de diversas escolas de Fortaleza lotaram o velho cinema para assistir a Os Pequenos Guerreiros, estreia na direção de Bárbara Cariry. O filme é uma belíssima surpresa. Obra do clã Cariry, tem o patriarca, o cineasta Rosemberg Cariry no crédito do roteiro, e Petrus, irmão de Bárbara e também cineasta, no da fotografia.
Trata-se de um roadmovie. Um casal e três crianças dirigem-se ao Barbalho, na região do Cariri, para pagar uma promessa. No caminho, a bordo de jipe pré-histórico, vão passando pelas estradas e cidades e encontrando personagens. Passam por Juazeiro, Crato e outras cidades. Encontram-se com artistas, violeiros e cantadores e grupos folclóricos de reisado.
Através da aventura dos dois meninos e uma menina, o que de fato se desenha é uma imersão na rica cultura local, aliás uma saudável obsessão de Rosemberg Cariry. O filme é muito bem fotografado, não se perde em didatismos e tem ritmo.
Tanto assim que a plateia infantil acompanhou com muita atenção e aplaudiu muito no final. Criança não disfarça. Quando não gosta do filme, dispersa-se e bagunça a sala de exibição. Não foi o caso, muito pelo contrário. Um bom signo para esse trabalho que apresenta ao público infantil nossa cultura, de maneira atraente e nada chata. Mesmo os adultos gostaram.
Enviado do meu iPad