Um texto breve, à maneira de um “até o ano que vem” ao Cine Ceará.
Pouco tenho a dizer sobre a premiação que, de maneira geral, me pareceu correta e criteriosa. Fique aqui, para registro, que meu palpite para vencedor em longa-metragem era outro. Ganhou 5 Casas, de Bruno Gularte Barreto.
Instado por Talita Galli, no programa Bom para Todos exibido na tarde de sexta-feira, apostei que venceria A Praia do Fim do Mundo, de Petrus Cariry. Bem, este levou a estatueta (Mucuripe) de fotografia (do próprio Petrus), prêmio da crítica e direção de arte (Sérgio Silveira).
Além de melhor filme, 5 Casas ficou com os prêmios de melhor roteiro (do diretor e de Vicente Moreno) e melhor som (Emil Klotzsh).
Apostei também em Fortaleza Hotel, de Armando Praça, que deu a Clébia Souza o Mucuripe de melhor atriz e a Vanderlei Bernardino, o de melhor ator.
Nada a objetar, embora, por gosto, minhas escolhas teriam sido diferentes.
Já o curta Chão de Fábrica, de Nina Kopko, era meu favorito e levou a estatueta de melhor filme. É ótimo, com seu resgate da presença feminina nos movimentos sindicais do ABC, que mudaram a história do País.
Já escrevi ao longo da cobertura que fiz para o Estadão e agora repito: algumas imagens se repetiram e dialogaram entre si ao longo do festival. O mar que avança sobre a terra e devora as casas e as cidades está no curta Mar Concreto, de Julia Naidin, e em A Praia do Fim do Mundo, de Petrus. Em Fortaleza Hotel, há uma cena incrível, de crianças mergulhando no mar de um pontilhão em ruínas, ao lado de um barco encalhado.
Tudo remete para um país encalacrado, decadente e regressivo, ameaçado de ser engolido pelo retrocesso. São filmes-sintoma, nos quais os artistas exprimem sua angústia diante do período em que vivemos.
No entanto, essas próprias manifestações expressam a esperança diante do desespero. Com perdão pelo oxímoro, isso quer dizer que, apesar de todos termos motivos de sobra para desanimar, nenhum de nós está chorando na cama (que é lugar quente, segundo lugar-comum). Continuamos na ativa, na luta, e dando o que temos de melhor para reverter esse jogo ingrato.
Nesse sentido, registro também dois filmes que vi fora da competição principal e servem de alimento para essa nossa esperança trabalhosa.
Com Pequenos Guerreiros, Bárbara Cariry faz sua estreia na direção. É um bonito trabalho em que um casal e três crianças (uma delas filho deles, as outras duas amigas da família) e vão pagar uma promessa em uma cidade distante. O road movie começa no litoral e termina na fértil e bonita região do Cariri. A história serve como pano de fundo para uma imersão amorosa na cultura popular da região. Não, não estamos ainda completamente colonizados.
Segundo, o longa Transversais, de Emerson Maranhão, documentário que reúne cinco pessoas de profissões diferentes: um paramédico, uma professora, um pesquisador, uma jornalista, uma funcionária pública. Têm em comum o fato de serem pessoas transgênero. Contam suas experiências, dificuldades, o esforço que tiveram de fazer para alcançar aceitação social, os preconceitos que ainda sofrem. Histórias de vida, que formam um conjunto muito emocionante. Em 2019, este que se apresenta como presidente, soube do filme e prometeu “abortar a missão (sic)”. Bem, a “missão” está aí; foi cumprida e é de excelente qualidade.
De resto, foi muito bom rever amigas e amigos depois de tanto tempo longe da nossa estrada habitual de jornalistas de cinema. Houve espaço para diversão, em especial no passeio à incrível praia de Sabiaguaba, no encontro do Rio Cocó com o mar. E na visita ao Mercado Central de Fortaleza, o que é sempre uma alegria. O nível dos filmes foi bom. Os debates foram interessantes, sem empolgar.
Abaixo, a tabela dos premiados e os links da cobertura, feita no dia-a-dia do festival.
LONGA-METRAGEM
. “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto (Brasil, RS) – melhor filme ibero-americano (Troféu Mucuripe e R$20 mil), melhor roteiro (Bruno Gularte Barreto e Vicente Moreno), melhor som (Emil Klotzsh)
. “Bosco” (Uruguai-Itália) – melhor direção (Alícia Cano Menoni), montagem (Guillermo Madero), trilha sonora original (Giorgio Ferrero e Rodolfo Mong)
. “A Praia do Fim do Mundo”, de Petrus Cariry (Brasil, CE) – melhor filme da Crítica (Abraccine), fotografia (Petrus Cariry), direção de arte (Sérgio Silveira)
. “Fortaleza Hotel”, de Armando Praça (Brasil, CE) – melhor atriz: Clébia Sousa, melhor ator (Vanderley Bernardino)
. “Minas Urbanas”, de Natália Gondim – melhor filme da Mostra Olhar do Ceará
CURTA-METRAGEM
. “Chão de Fábrica”, de Nina Kopko (SP) – melhor filme (Trofeu Mucuripe), Prêmio Canal Brasil (troféu, R$15 mil e exibição na emissora)
. “O Resto”, de Pedro Gonçalves (MG) – melhor direção
. “Sideral”, de Carlos Segundo (RN) – melhor roteiro (Carlos Segundo) e Prêmio Samburá, do Jornal O Povo, de melhor curta-metragem.
. “O Durião Proibido”, de Txai Ferraz (PE) – Prêmio da Crítica (Abraccine)
. “Como Respirar Fora d’Água”, de Júlia Favero e Victoria Negreiros (ECA-USP) – Troféu Samburá, do jornal O Povo, de melhor direção
. “Sebastiana”, de Claudio Martins (CE) – melhor curta da Mostra Olhar do Ceará (Troféu Mucuripe), Prêmio Unifor (Universidade de Fortaleza) no valor de R$5 mil
. “Jeanstopia”, de Gabriel Viggo e Murilo da Paz (CE) – melhor filme do concurso Água e Resistência-Cagece
https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2021-vazio-na-alma/
https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/cine-ceara-2021-5-casas-ou-a-memoria-em-questao/
https://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/17854-2/
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