O que Vemos quando Olhamos para o Céu?


Liza e Giorgi se conhecem e se apaixonam. Assim, como um raio. Marcam encontro para o dia seguinte, num bar. Mas uma maldição cai sobre eles. Acordam com corpos diferentes, que nada lembram a aparência da véspera. Mesmo assim, decidem comparecer ao encontro. Cada um sem saber se será reconhecido ou se reconhecerá o outro. Essa fábula, com a tinta fresca da narrativa fantástica, forma o encantador filme vindo da Geórgia, O que Vemos quando Olhamos para o Céu?, disponível na Mubi. É dirigido por Alexandre Koberidze, e cada personagem é interpretado por uma dupla de atores e atrizes. Lisa, por Ani Karseladze e Oliko Barbakadze, Giorgi por Giorgi Ambroladze e Giorgi Bochorishvili. Preste atenção: depois de exibido o longa (2h30), segue-se uma interessante entrevista com o cineasta. 

Parece coincidência. Mas olhar (ou não) para o céu anda na moda dos lançamentos em streaming. Depois do sucesso da sátira feroz Não Olhe para Cima (Netflix), de Adam McKay, chega esse contraponto, exibido em uma mostra europeia de primeira linha – venceu o prêmio da crítica (Fipresci) no Festival de Berlim. Passou também na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. 

O nítido registro fantástico de O que Vemos quando Olhamos para o Céu? não se sobrepõe à atmosfera romântica predominante nesse trabalho de andamento sereno, lento mesmo, e de um apuro visual digno de nota. 

Passado na cidade ribeirinha de Kutaisi,é,também, uma fábula sobre o processo de encantamento entre pessoas, que, sabemos todos, passa pela imagem. Imagem do outro e de si mesmo, jogo de espelhos descrito genialmente por Hitchcock em Um Corpo que Cai (Vertigo). Processo também trabalhado nessa saga dos dois corpos que se atraem, mudam, mas cujos “donos” permanecem os mesmos. Um em busca do outro, sem maiores pistas a não ser aquele encontro marcado, vago, num lugar que passará a ser o epicentro do drama. Ou seja, um modesto café à beira do rio, para o qual o simpático proprietário tenta atrair a freguesia com o telão em que exibirá os jogos da Copa do Mundo de futebol.

O filme propõe também uma reflexão sobre o poder regenerativo do cinema. Paralela à trama principal, corre outra. Uma filmagem, conduzida por uma diretora, procura registrar imagens de casais apaixonados, de diferentes tipos e idades. Contra a vontade, Lisa e Giorgi aceitam posar, embora digam, enfaticamente, que não são um casal. Nessa busca, as duas tramas se enlaçam e se retroalimentam. 

Esse filme simples, porém com possibilidades inúmeras de interpretação, seduz pela narrativa livre. Solta, inspirada, e muitas vezes mesclada a um senso de humor discreto, como por exemplo na presença de cães com nomes humanos que, eles também, assistem seriamente aos jogos da Copa e se interessam pela seleção argentina, de acordo com o protagonista Giorgi, fanático por Lionel Messi. 

Há uma narração off, de tom neutro, porém cheia de insinuações em seu comentário da ação. Também plena de presságios, porque, a par do encanto da história, paira um mal-estar difuso sobre tudo e todos. Algo indefinível, talvez sublinhado pela trilha sonora. Não chega a ser um cometa vindo dos céus, mas algo como uma falha inquietante, que aliás é um traço recorrente das narrativas fantásticas. 

Por isso, no final, o narrador se pergunta o que dirá aos seus filhos quando estes lhe perguntarem sobre a razão de tanta brutalidade e impotência nesses nossos tempos. Preocupa-se também com a hipótese de lhe perguntarem o que estava fazendo nesses tempos difíceis, e for obrigado a responder: “Estava fazendo filmes”. 

Seja como for, apesar de eventuais tropeços, sempre parece ser mais inspirador olhar para o céu do que andar de cabeça baixa, negando a realidade. 

Disponível na MUBI e Apple TV

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