
A cerimônia de 2022 passará para a história como o Oscar do tapa na cara. O primeiro – literal – de Will Smith no apresentador Chris Rock. O segundo, em quem acreditava que o Oscar estivesse em processo de evolução.
Quanto à agressão de Smith a Chris Rock, pouco antes de o ator receber seu primeiro Oscar pela atuação (boa) em King Richard, há pouco que acrescentar. Smith foi tão bizarro, ao sair de maneira intempestiva em defesa de sua mulher, supostamente agredida por uma piada sem graça (pleonasmo), que ensejou até mesmo teorias da conspiração nas redes sociais. Com o Oscar em busca desesperada por índices de público, tudo teria sido armado, pois, como se sabe, nada como um escândalo para bombar a audiência em nosso mundo.
Delírios à parte, o tapa na cara para valer veio com a atribuição de melhor filme ao simpático mas apenas mediano CODA – No Ritmo do Coração. Havia, pelo menos, três filmes melhores para serem escolhidos pelos votantes da categoria principal – Ataque dos Cães, Drive my Car e Licorice Pizza. Nada disso. Preferiram eleger essa singela refilmagem norte-americana do francês Família Bélier. Em época de inclusão, a história da família de surdos que se apoia sobre a filha, a única entre eles que ouve, para tocar seu negócio de pesca, dá força a No Ritmo do Coração. Em termos cinematográficos, no entanto, não chega aos pés dos concorrentes.
O grande derrotado da noite foi Ataque dos Cães, que chegou com doze indicações e saiu apenas com uma estatueta, a de direção para a neozelandesa Jane Campion. Certo, é prêmio de peso, ainda mais pelo fato de Campion ser apenas a terceira mulher que o recebe. Mas Ataque dos Cães merecia mais – em especial a estatueta de melhor filme.
Já o filme mais adulto e elaborado desta edição, o japonês Drive my Car, venceu na categoria em que era mesmo favorito, a de filme internacional. Havia quem tivesse esperança de que ele repetisse a proeza do coreano Parasita que, dois anos atrás, acumulara as estatuetas de filme internacional, direção, roteiro e melhor filme. Parecia o anúncio de uma revolução em curso. Mas, como se verifica, era apenas uma ilusão. Como os rios voltam ao seu leito, Hollywood retornou à sua zona de conforto.
Desastrosa na atribuição do prêmio máximo, esta 94a edição apresentou acertos em outras categorias. O melhor documentário tinha mesmo de ser Summer of the Soul, sobre o grande festival de música negra de 1969, então eclipsado pelo de Woodstock. O troféu de melhor atriz foi para Jessica Chastain por sua caracterização de uma tele evangelista, Tammy Faye Messner, em Os Olhos de Tammy Faye. Ariane DeBose brilhou na refilmagem de Amor Sublime Amor e recebeu a estatueta de melhor coadjuvante. Troy Kotsur levou o troféu de melhor ator coadjuvante e fez um emocionante discurso em linguagem dos sinais. Foi o primeiro homem surdo a receber um Oscar. Era o prêmio que CODA realmente merecia.
No resto, tudo normal. Até mesmo troféu de melhor ator a Will Smith, embora o trabalho de Benedict Cumberbatch em Ataque dos Cães seja superior. Mas parece que a ordem era não inflar muito a bola dessa produção da Netflix. Em todo caso, a vitória de Smith é defensável. Muito mais que seu discurso lacrimoso ao receber o troféu. Vinte minutos após haver esbofeteado o colega em público, pediu perdão à Academia (mas não a Chris Rock), pregou o amor, a proteção à família e a paz entre os homens. Não deixa de ser uma metáfora para a relação entre nações: primeiro se agride, depois se defende a paz e o amor. A única frase sincera, em meio àquela torrente de lágrimas, foi a que dizia “que o amor nos leva a fazer coisas loucas”. Disso ninguém duvida. Quanto ao resto…
Caro Luiz Zanin,
como é que vão as coisas? Espero que tudo bem, apesar de toda esquizofrenia mundial. Como descemos a ladeira, hein? Sempre fui pessimista, mas, honestamente, não imaginava que a derrocada seria tão grande. A internet que deveria ser o farol de um novo iluminismo tornou-se, na prática, uma catalisadora do preconceito e do ódio. Essa onda de autoritarismo de todas as sortes e cores é prova cabal da nossa falência como espécie.
Definitivamente, emburrecemos. Os jornais são pálidas versões do que um dia foram. Livrarias, cinemas, teatros, tudo em extinção acelerada. Não há debate cultural, nada repercurte mais do que átimos. É muito pesaroso.
Um remake de um filme francês vencer o Oscar é sinal de como a criatividade anda em baixa em Hollywood. Também pudera, o progressismo exterminou a ideia de mérito. Hoje, impera um relativismo cultural que, ao invés de libertar, mais aprisiona e cercea do que qualquer outra coisa. Pouco importa o conteúdo, afinal, antes de tudo é preciso considerar se o artista é alguém socialmente “autorizado” a falar de determinado assunto. É a inclusão que exclui. Sendo assim, naturalizou-se premiar não o melhor, mas, sim, o mais inclusivo.
Sobre o tapa, é mais um indício da bestialidade generalizada. Uma ofensa travestida de humor seguida de uma agressão incosequente, na medida em que a cerimônia é transmitida para bilhões, e vergonhosamente imperdoável por ser um tempo de guerra. O discurso de aceitação foi tão patético que a estatueta parecia querer sair voando. O pior de tudo é que ambos lutaram tanto por representação no Oscar, e aí, quando têm, acabam dando munição aos racistas.
E o futiba? Que lástima. Ficamos incapazes de formar meias. Há vinte anos, Alex e Djalminha nem foram pra Copa. Hoje, seriam titulares com os pés nas costas. A escola piorou tanto que os jogadores brasileiros são incapazes de atuar coletivamente. Haja visto o baile que o palmeiras tomou no Mundial. O 7 a 1 deixou uma mácula que não sara.
Enfim, o mundo tá uma merda, mas a gente têm que tocar o barco, né? Um abraço, Zanin, muita paz e saúde para você e sua família.
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