É preciso ter visto uma sessão com sala lotada e o público entusiasmado para se ter ideia da força do cinema popular. Foi o que presenciei numa improvável sessão de Dois Filhos de Francisco em Gramado. Marcada para um horário indigesto, depois da sessão oficial e ainda com atrasos, a projeção começou já de madrugada. Havia cansaço, havia fome e certa raiva pelos atrasos. Mas tudo se dissipou tão logo a história de Zezé Di Camargo e Luciano, ou melhor, do pai deles, Francisco, bateu na tela do Palácio dos Festivais. Foi uma grande emoção. E uma imensa salva de palmas no final da sessão.
Breno Silveira, que nos deixou hoje de forma prematura, aos 58 anos, tinha essa virtude rara – fazia cinema voltado para o público, baseado em emoções, e sem qualquer apelação. Cinema popular de qualidade – eis aí algo que parece muito fácil, mas que é muito difícil de concretizar.
Os críticos não costumamos prestar muita atenção no alcance público de um filme. Analisamos a obra, não a sua recepção. Mas o fato é que, para haver uma cinematografia sadia, é importante que o cinema mais experimental conviva com obras de maior diálogo com o público. Estas muitas vezes são vulgarmente comerciais, procuram sondar o gosto popular e se adaptam a ele, com sucesso ou não.
Dois Filhos de Francisco alcança uma síntese bastante rara. É obra que se comunica com o mais simples dos mortais e também com intelectuais exigentes e predispostos a julgamentos sumários. Em Gramado tive oportunidade de ver vários colegas arrebatados pela história simples de um pai que deseja o sucesso para os filhos, mas tem de enfrentar contratempos na trajetória – incluindo uma morte inesperada.
Silveira também obteve sucesso com a história de dois outros músicos, Gonzagão e Gonzaguinha que, como se sabe, tiveram mil atritos na vida real (inclusive por razões políticas) e terminaram por se reconciliar. Gonzaga: de Pai pra Filho tem força, embora não o mesmo encanto de Dois Filhos de Francisco.
Na série que fez para a Amazon Prime, Dom, de novo a relação pai e filho, também tirada da vida real. O pai policial e o filho que se torna dependente químico e traficante. Foi o maior sucesso da Amazon no Brasil. A segunda temporada, pelo que se sabe, já foi gravada e entrará em linha ainda este ano.
Essa parece ser a matriz mais fértil do cinema de Breno Silveira – a relação pai-filho. Matriz problemática e universal, porém muito rica pela quantidade de afetos contraditórios que abriga. Nesse terreno, o cineasta se dava muito bem. Jogava à vontade, como em campo conhecido. Comunicava-se e emocionava, virtudes interligadas.
Vai fazer muita falta ao cinema nacional. Com a morte também precoce de Paulo Gustavo, é a segunda perda consecutiva nesse âmbito para o cinema brasileiro.
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Um comentário em “Relação pai-filho, matriz do cinema popular de Breno Silveira”