O baiano Alan do Rap tornou-se famoso por “invadir” shows de artistas conhecidos. Era a maneira de mostrar sua arte feita de muita revolta e versos contundentes. Sua trajetória é mostrada num documentário de impacto, Alan, dirigido pelos irmãos Diego e Daniel Lisboa. Eles conviveram durante anos com o rapper e foram registrando como podiam esses encontros.
O filme mostra e, poderia-se dizer, expõe a precariedade com que foi feito. A câmara na mão, muitas vezes trêmula e oscilante, não é exatamente um recurso estético. Reflete apenas a precariedade das condições em que as filmagens foram realizadas. O som muitas vezes torna-se ininteligível. As invasões de palco têm registro igualmente sofrível.
Pois bem, isso dito, é preciso também dizer que essa precariedade não afasta o espectador daquilo que está se passando na tela, tamanho o interesse do que estamos vendo. E o que vemos? Alan em sua moradia precária, mostrando como sobrevive, como se alimenta, o que faz, o que lê. Vive de restos. Achou no lixo uma antologia poética de Vinícius de Morais e a trata como se fosse uma bíblia. Quanto conhecimento naquele volume desconjuntado, constata. Perguntamos: quantos membros da nossa classe média seriam capazes de reconhecer o acúmulo de cultura contido na antologia de um poeta morto em 1980? Vocês me respondam.
Vamos seguindo a vida do rapper em filmagens cheias de lacunas e saltos temporais. Mais uma vez, a obra é reflexo da maneira como foi feita. Mas também expressa a própria assimetria da vida do personagem. Invasões de show, popularidade efêmera, revolta. Mas também envolvimento com crimes, a violência, a prisão. Uma vida instalada na fresta entre a esperança e o abismo.
Há o encontro interessante entre Alan e um rapper consagrado, Mano Brown. Este não passa a mão na cabeça de Alan. Brown defende o valor do trabalho. Depois de explorados na escravidão, os negros têm de trabalhar para si mesmos, abrir a cotoveladas seu lugar na sociedade, sem cair no engodo das drogas e do crime.
Há outro momento encenado, uma performance perturbadora, em que Alan faz um discurso contundente, enquanto suas mãos seguram duas pistolas. Depois ele as entrega para seus amigos, que têm o rosto coberto e as substitui por uma esferográfica: “Essa é a arma mais poderosa”, definindo uma vocação de escritor. Poucas sequência impactam tanto como esta no cinema brasileiro contemporâneo.
Terminamos o filme com sentimentos contraditórios. Sentimos simpatia por Alan, ao mesmo tempo em que ele nos exaspera. Admiramos sua inteligência inata e a criatividade, seu humor cáustico, virtudes desenvolvidas nas condições mais difíceis. Lastimamos um país que começa por ignorar e termina por destruir seus talentos. Torcer por Alan, esperar por sua salvação, exige do espectador um trabalho psicológico cansativo. Talvez em vão, sendo o Brasil o que é. O filme é uma porrada.
Que beleza de texto, Zanin.
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Valeu, Carlinhos. O filme é porreta mesmo. Abraço
Enviado do meu iPad
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