Gyuri, a civilização contra a barbárie


Gyuri, de Mariana Lacerda, começa de maneira inusitada. Inclusive pelo título, que só compreenderemos no interior da misteriosa conversa de abertura. Duas pessoas, uma mulher e um homem, conversam num idioma eslavo. Húngaro. Ela fala de modo fluente, mas parece ter dificuldade com uma ou outra palavra. Está há muito tempo fora do seu país. Conta de sua infância, da experiência na guerra, da violência, do exílio. De como se despediu de um garoto que a beijou. Em seguida, ele foi conduzido com a família para um campo de concentração, onde morreu. Ela diz que nunca o esqueceu. Pensa nele todo dia.

Nesse momento, assistindo ao filme, me lembrei, não sei bem porquê, de uma cena de Cidadão Kane. Um personagem idoso diz que a lembrança de uma moça vestida de branco, que ele viu uma única vez em sua juventude, o acompanhou vida afora. Era, talvez, o seu “rosebud”. Assim, como talvez Giury seja o da fotógrafa Claudia Andujar, a personagem que abre o filme conversando com o filósofo húngaro Peter Pál Pelbart.

Essa sobrevivente da Segunda Guerra e de seus horrores nazistas, veio parar no Brasil, como tantos outros judeus e judias foragidos da Europa. Aqui dedicou-se à fotografia e à salvaguarda dos povos indígenas, em especial os yanomami. Uma perseguida sabe solidarizar-se com outros perseguidos e ameaçados de genocídio. A judia europeia viu no indígena um irmão.

Esse pacto perfeito é celebrado com o reencontro de Claudia com o xamã Davi Kopenawa, em pleno território yanomami. A câmera da documentarista acompanha o deslocamento da personagem até a Amazônia. Viagem que não é fácil, em particular para uma senhora de quase 90 anos. Claudia, valente, vai até a aldeia, rever o amigo e com ele desenvolver uma conversa inspiradora em meio ao nosso tempo de brutalidade.

São dois seres de sabedoria e humanidade que trocam ideias sobre esse nosso mundo insensato. O mundo do lucro, da volúpia do poder, da destruição do planeta. Denunciam o absurdo, a insensatez de desperdiçar a vida, que é tão rica, em meta tão medíocre que é a busca cega do dinheiro e do poder. Suas palavras são pontos de luz nas trevas atuais.

Gyuri é todo bonito, não apenas pelo que nele se diz, mas porque toda a filmagem nunca é banal, e é intercalada com as magníficas fotos da lavra de Claudia Andujar.

Com sua beleza triste, o filme é um colírio. Ainda está em cartaz. Corra para ver.

Livre de vírus. www.avast.com.

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