Noites Alienígenas, grande vencedor do Festival de Gramado 2022, ao ser exibido pareceu isso mesmo que o título indica, um objeto não-identificado, desencontrado aqui e ali, mas emanando uma força estranha que, tudo somado, cativou a plateia.
Situa-se na periferia da Amazônia urbana, limite incerto entre a cidade e a floresta. Esse ambiente sofre o impacto da chegada de facções criminosas do Sudeste com a instauração de uma violência febril, em especial entre os jovens. Chico Diaz interpreta um personagem-chave, uma espécie de velho hippie, que sempre aconselha aos jovens a conhecerem o mundo e não se limitarem àquele pedaço de terra onde nasceram. Parece ecoar as palavras de Coriolano, na peça de Shakespeare: “There’s a world elsewhere”. Há um mundo lá fora. Mas nem sempre conseguimos deixar o ambiente onde nascemos, por mais que ele nos limite, ou massacre.
O filme, dirigido por Sérgio de Carvalho (e baseado em livro do próprio cineasta) evoca o ambiente da juventude, com o Slam e também a criminalidade terminal do tráfico de drogas e das gangues que se formam em torno da atividade e concorrem entre si. Mas também incorpora os elementos amazônicos, da floresta, dos mitos, do Daime, e muitas vezes com recurso ao realismo mágico. É nesse espaço que o filme corre mais riscos, nessa passagem entre o realismo e o mundo mágico, complicada de articular na literatura e mais ainda na dimensão audiovisual, sem cair no kitsch.
Seja como for, o filme tem pulsão, o que não é tão comum assim no cinema contemporâneo. Essa força compensa eventuais desequilíbrios – ou aquilo que sentimos como tal.
Além disso, como se destacou no debate, em particular na fala da produtora Karla Martins, a simples presença em Gramado de uma produção do Acre, representa, em si, um ato político. O Brasil é imenso, desigual e, ainda, muito centralizado em torno de eixos, em especial, Rio-SP. Governos anteriores empenharam-se en políticas de descentralização e elas produziram efeitos benéficos. Novas vozes e olhares surgiram. Foram desconstruídas pela gestão atual, que considera as artes inimigas figadais e, portanto, a serem eliminadas. Ou na impossibilidade disso, desestimuladas ao extremo. Mas a arte resiste, como se tem visto, e a presença desse filme num festival da importância de Gramado é prova viva dessa resistência.
Conheça os prêmios do 50º Festival de Cinema de Gramado:
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
Melhor Filme – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Melhor Direção – Cristiano Burlan, por “A Mãe”
Melhor Ator – Gabriel Knoxx, de “Noites Alienígenas”
Melhor Atriz – Marcélia Cartaxo, de “A Mãe”
Melhor Roteiro – Gabriel Martins, de “Marte Um”
Melhor Fotografia -Rui Poças, de “Tinnitus”
Melhor Montagem – Eduardo Serrano, de “Tinnitus”
Melhor Trilha Musical – Daniel Simitan, de “Marte Um”
Melhor Direção de Arte – Carol Ozzi, de “Tinnitus”
Melhor Atriz Coadjuvante – Joana Gatis, de “Noites Alienígenas”
Melhor Ator Coadjuvante – Chico Diaz, de “Noites Alienígenas”
Melhor Desenho de Som – Ricardo Zollmer, de “A Mãe”
Júri da Crítica – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Júri Popular – “Marte Um”, de Gabriel Martins
Prêmio Especial do Júri – “Marte Um”, de Gabriel Martins, que nos trouxe o afeto para a tela.
Menção Honrosa a Adanilo, por “Noites Alienígenas”, pela excelência da construção da linha do personagem e interpretação.
LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO
Melhor Filme – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Melhor Direção – Néstor Mazzini, de “Cuando Oscurece”
Melhor Ator – Enzo Vogrincinc, de “9”
Melhor Atriz – Anajosé Aldrete, de “El Camino de Sol”
Melhor Roteiro – Agustin Toscano, Moisés Sepúlveda e Nicolás Postiglione, de “Inmersión”
Melhor Fotografia -Sergio Asmstrong, de “Inmersión”
Júri da Crítica – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Júri Popular – “La Pampa”, de Dorian Fernández Moris
Prêmio Especial do Júri a Direção de Arte de Jeff Calmet, de “La Pampa”
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
Melhor Filme – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Melhor Direção – Leonardo Martinelli, por “Fantasma Neon”
Melhor Ator – Dennis Pinheiro, de “Fantasma Neon”
Melhor Atriz – Jéssica Ellen, de “Último Domingo”
Melhor Roteiro – Fernando Domingos, de “O Pato”
Melhor Fotografia – Fernando Macedo, de “Último Domingo”
Melhor Montagem – Danilo Arenas e Luiz Maudonnet, de “O Elemento Tinta”
Melhor Trilha Musical – “Nhanderekoa Ka´aguy Porã” Coral Araí Ovy e Conjunto Musical La Digna Rabia, por “Um Tempo pra Mim”
Melhor Direção de Arte – Joana Claude, de “Último Domingo”
Melhor Desenho de Som – Alexandre Rogoski, de “O Fim da Imagem”
Júri da Crítica – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Júri Popular – “O Elemento Tinta”, de Luiz Maudonnet e Iuri Salles.
Menção Honrosa – “Imã de Geladeira”, de Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo, por catapultar a urgente discussão sobre o racismo estrutural através do horror cósmico
Prêmio Especial do Júri – “Serrão”, de Marcelo Lin. Pelo frescor da narrativa a partir de um olhar ressignificado, emergente e com o coração no lugar certo
Prêmio Canal Brasil de Curtas – “Fantasma Neon” Leonardo Martinelli
LONGA-METRAGEM GAÚCHO
Melhor Filme – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Melhor Direção – Bruno Gularte Barreto, por “5 Casas”
Melhor Ator – Hugo Noguera, de “Casa Vazia”
Melhor Atriz – Anaís Grala Wegner, de “Despedida”
Melhor Roteiro – Giovani Borba, de “Casa Vazia”
Melhor Fotografia – Ivo Lopes Araújo, de “Casa Vazia”
Melhor Direção de Arte – Gabriela Burk, de “Despedida”
Melhor Montagem – Vicente Moreno, de “5 Casas”
Melhor Desenho de Som – Marcos Lopes e Tiago Bello, de “Casa Vazia”
Melhor Trilha Musical – Renan Franzen, de “Casa Vazia”
Júri Popular – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Menção Honrosa – Clemente Vizcaíno, por “Despedida”, pela presença destacada no filme e por sua importância na história do cinema gaúcho
Menção Honrosa – “Campo Grande é o Céu”, de Bruna Giuliatti, Jhonatan Gomes e Sérgio Guidoux, pelo resgate da tradição de cantorias e da importância das comunidades quilombolas daquela região do Rio Grande do Sul
LONGA-METRAGEM DOCUMENTAL
Melhor Filme – “Um Par Pra Chamar de Meu”, de Kelly Cristina Spinelli.
Menção Honrosa – “Elton Medeiros – O Sol Nascerá”, de Pedro Murad, pela valorização do compositor, parceiro dos grandes nomes da música popular brasileira, e também pelo rigor formal e criativo na recriação visual da vida e das grandes composições de Elton Medeiros, que faleceu em 2019. Parabéns ao diretor Pedro Murad e equipe.