Segredos do Putumayo, os horrores do colonialismo


Questionado se hoje não estaríamos melhor caso o Brasil tivesse sido colonizado por holandeses ou franceses, um professor da História da USP costumava responder: “Não existe história bonita do colonialismo”. Segredos do Putumayo, documentário de Aurélio Michiles, que chega agora aos cinemas depois de ter participado do Festival É Tudo Verdade de 2020, ilustra, de modo impactante, a brutalidade da política de expansão colonialista, qualquer que seja ela ou o país que a promova. O filme evoca o colonialismo inglês no Alto Amazonas, região do Putumayo, capítulo dos mais sangrentos da história da exploração da borracha na Amazônia.

Segredos do Putumayo baseia-se nos diários deixados pelo poeta, diplomata e ativista irlandês Roger Casement (1864-1916), na época servindo no Brasil como cônsul do Império Britânico. Casement viajou até o local para apurar denúncias e constatou (e também fotografou) as atrocidades a que eram submetidos os indígenas no processo de extração do látex. A voz narrativa de Casement é a do ator Stephen Rea, protagonista de um dos filmes mais discutidos no início da década de 1990, Traídos pelo Desejo, de Neil Jordan.

Segredos do Putumayo revela-se uma obra grandiosa. Tanto pela força das imagens e do texto interpretado por Rea quanto pela triste atualidade de sua denúncia. Liga diversos momentos da história, do colonialismo belga na África aos métodos brutais da Peruvian Amazon Company que redundaram em milhares de mortes de indígenas na região do Putumayo. Estende-se aos dias de hoje, com a “flexibilização” das leis de proteção ambiental e das garantias aos territórios indígenas na Amazônia brasileira, que abrem espaço para novos genocídios. Era (e é) o lucro a qualquer custo humano e não os alegados propósitos civilizatórios que guiam os impérios em suas intervenções no estrangeiro. Por isso não existe história bonita do colonialismo, como dizia o professor da USP.

Além da denúncia do genocídio dos povos originários, Segredos do Putumayo repõe em cena a figura central de Roger Casement. Somando suas experiências na África e na América, Casement pode ser visto como um pioneiro na defesa dos direitos humanos. Sua vida aventureira e fim trágico inspiraram Mario Vargas Llosa a escrever seu magnífico romance biográfico O Sonho do Celta (Alfaguara, 2010). O Diário da Amazônia de Roger Casement pode ser lido em cuidadosa edição da Edusp, com introdução de Angus Mitchell e tradução coordenada por Mariana Bolfarine (2016). O próprio Aurélio Michiles, em parceria com Mariana Bolfarine e Laura P. Z. Izarra, editou o belo livro que acompanha o lançamento do filme, Segredos do Putumayo (Colmeia, 2022).

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