Cine Ceará 2022: Na noite inaugural, a emoção de ‘A Filha do Palhaço’


FORTALEZA – A abertura do Cine Ceará 2002 teve homenagem a Camila Pitanga e um belo filme de estreia, A Filha do Palhaço, de Pedro Diógenes.

O Cineteatro São Luiz, no centro de Fortaleza, esteve lotado para aplaudir a atriz Camila Pitanga, filha do mitológico Antonio Pitanga, ator que se distinguiu no Cinema Novo e continua atuante até hoje.

Camila, carismática, culta e engajada, lembrou de suas origens, evocou a necessária reciclagem intelectual de todo artista e defendeu o engajamento político neste momento-chave da história nacional. “Não apenas dos artistas, mas de todos e cada um e cada uma; trata-se não apenas de uma eleição, mas de uma opção entre a civilização e a barbárie”. Defendeu, com todos os nomes e sobrenomes, o voto em Luís Inácio Lula da Silva no dia 30 deste mês. A data-chave em que se vai decidir se o país dá início à sua reconstrução ou se afunda de vez no abismo da intolerância e do totalitarismo. Nada menos.

A fala de Camila foi acolhida por um intenso apoio da plateia à candidatura de Lula. Foi muito bonito e também uma injeção de energia em quem andava um tanto combalido com os resultados inesperados do primeiro turno das eleições.

Já no campo cinematográfico propriamente dito, o público foi premiado com um filme de recorte terno, tendo por tema o reencontro entre um pai ausente e sua filha adolescente, praticamente uma desconhecida para ele.

Renato (Demick Lopes) sobrevive de esquetes cômicos travestido na personagem Silvanelly. Sua filha, Joana (a estreante Lis Sutter) vai passar uma semana com ele. Renato deixou a mulher e a filha pequena, muitos anos atrás, por razões desconhecidas.

Reencontro entre filhos e pais – quantos filmes foram feitos com essa temática? Impossível contar. No entanto, este não se parece com nenhum outro, pelo simples motivo de levar a digital, a assinatura única do seu diretor. Reconhecemos neste as impressões de outros filmes, tais como o desenho visual que fica entre o circense e o onírico, a preferência pelos tipos periféricos, etc. Marcas de estilo, às vezes tão fáceis de constatar e tão difíceis de definir em palavras presentes em Estrada para Ythaca, O Último Trago e Inferninho, outras obras desse diretor já dono de um currículo de oito longas-metragens.

Há um detalhe, porém. Este é um filme mais, digamos assim, narrativo, com uma história em linha reta. Mas como Deus (ou o diabo) mora nos detalhes, também os bons filmes se valem de certas sutilezas que acrescentam camadas a temas aparentemente batidos. Digo “aparentemente” porque esses temas são constantes humanas que tendem a reaparecer indefinidamente, ainda que, como nos casos mais felizes, com roupagem original.

Esses “detalhes” (que, no entanto, são fundamentais) dizem respeito tanto a opções estéticas (como o aludido tom onírico) quanto aos caminhos inusitados do enredo – transgressivo sem deixar de ser amoroso. (Aliás, não existe contradição entre esses dois termos, salvo na cabeça de moralistas).

Entre outras coisas, A Filha do Palhaço também discute temas paralelos, como a suposta oposição entre cômicos e atores de verdade. Como se os cômicos fossem atores menores, e a comédia algo inferior quando comparada ao drama. Tema também antigo, que remete a Machado de Assis, para ficar no exemplo clássico.

Além disso, o filme presta homenagem à tradição cômica do Ceará, terra de Chico Anysio e Falcão, nomes mais conhecidos em nível nacional. O Ceará também é terra de uma miríade de cômicos e cômicas menos famosos para o resto do país, que se apresentam em festivais stand-up por diversas cidades do Estado. A própria personagem de Renato, Silvanelly, é inspirada em Raimundinha, personagem de um primo do diretor, Paulo Diógenes, que se apresenta há mais de 30 anos em Fortaleza.

Além dessa familiaridade, a figura de Silvanelly dá forma a essa personagem de dupla face que estará no cerne da obra. Uma ambivalência que a potencializa, vale dizer. Mesmo em sua forma narrativa mais comum, A Filha do Palhaço mostra essa ambiguidade fundamental para se instalar de forma duradoura no imaginário do espectador. A ternura, nunca piegas, lhe dá densidade emocional necessária para criar a empatia com o público.

Publicidade

Um comentário em “Cine Ceará 2022: Na noite inaugural, a emoção de ‘A Filha do Palhaço’

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.