Nunca liguei muito para a Jovem Guarda. Em termos musicais, a minha geração, e o meio estudantil, eram mais plugados na bossa nova, na MPB e também nas formas tradicionais do samba. Nossos ídolos atendiam pelos nomes de João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Elis Regina, Zimbo e Tamba Trio, Baden Powell e outras sumidades. Os “antigos” de referência eram Noel Rosa, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, etc. Um pouco mais tarde descobriríamos Milton Nascimento e seu clube da esquina. Nutridos por essas feras, em nossa soberba juvenil achávamos os roquinhos da turma da Jovem Guarda muito pobres do ponto de vista musical e ingênuos em sua poética “alienada”. Sim, éramos muito politizados.
No final do mês de setembro, estava participando do Festival de Cinema de Vitória quando soube que haveria um show de Erasmo Carlos na vizinha Vila Velha. Era promovido pela diretora do festival, Lúcia Caus, que cometia a doce sandice de pilotar um festival de cinema e uma série de shows musicais ao mesmo tempo, fazendo de ambos modelos de organização.
Fomos à noite ver e ouvir o Erasmo. Ficamos na primeira linha do palco, com o cantor a poucos metros de nós. Aos poucos, fui me impressionando com a segurança com que aquele senhor de 81 anos cantava, conduzia o espetáculo e se comunicava com a plateia. Um jeito sereno, simpático, doce mesmo.
Acompanhado por uma banda de primeira linha, Erasmo apresentava seus velhos sucessos e outros mais recentes. Para minha surpresa, eu, que não ligava para a Jovem Guarda, sabia quase todas as letras de cor, e cantarolava, junto com a multidão.
Claro, foi uma volta ao passado. Com a lembrança, veio a emoção. Mas não era apenas isso. Percebi naquela noite o que acontece quando um artista se fixa no imaginário popular. Não são apenas seus fãs que conhecem as suas obras. Somos todos nós, como se participássemos, querendo ou não, de uma espécie de inconsciente coletivo de uma época da qual o artista é uma espécie de catalisador.
Dessa forma, a questão deixava de ser ligar ou não ligar para tal ou qual corrente musical como a Jovem Guarda, mas fazer parte de uma comunidade imaginária que a aprecia. Essa música, na época onipresente no rádio como na televisão, havia marcado nossa memória e a guardamos para sempre em nosso baú de afetos. Mesmo sem saber disso.
Não sei se Erasmo Carlos fez mais alguma apresentação depois daquela de 24 de setembro em Vila Velha. Talvez tenha feito. Mas gosto de imaginar que foi a última, uma digna, comovente e inesquecível saída de cena. O show foi lindo. Não sabíamos que era também uma despedida.