Explosivo e hormonal, ‘O Rio do Desejo’ traz para tela conto de Milton Hatoum


O Rio do Desejo foi apresentado durante a Mostra de São Paulo numa tarde calorenta na Cinemateca Brasileira. Foi uma das sessões mais quentes da tradicional mostra paulistana. Não apenas pela temperatura dos termômetros, nem mesmo porque era véspera da mais importante eleição presidencial desde a volta da democracia, mas em especial pelo tema do filme. Desenvolvido a partir do conto de Milton Hatoum O Adeus do Comandante, presente no livro A Cidade Ilhada, este é um filme que, em tempo de obras um tanto pudicas e desvitaminadas, não mostra qualquer receio de ser hormonal e intenso. O Rio do Desejo entra em cartaz hoje nos cinemas.

O título abre o jogo desde o início. Estamos no ambiente fluvial da Amazônia, em que o calor é muito presente e o tempo parece escoar com a lentidão dos grandes rios. Sérgio Machado consegue transpor, em linguagem de cinema, aquele ambiente. A arte do cinema é fazer imagens – e sons – transmitirem algo de outra natureza, no caso a temperatura ambiente, a umidade, a vida parada das comunidades isoladas, o desejo que se instala em corpos jovens e sobe à cabeça, ignorando riscos ou limites.

A história é a da paixão entre Dalberto (Daniel de Oliveira) e a bela Anaíra (Sophie Charlotte, sua mulher na vida real). Para se casar, Dalberto abandona o trabalho na polícia e se torna comandante de um barco comercial que singra as oceânicas águas da região. O casal passa a viver na casa da família, dividindo teto com seus dois irmãos, Dalmo (Rômulo Braga) e Armando (Gabriel Leone).

Uma viagem complicada a Iquitos faz com que Dalberto passe mais tempo que de hábito longe de casa. Anaíra fica em companhia dos dois cunhados.

A transposição do conto breve para o roteiro é uma pequena façanha, assinada por Sérgio Machado e pelo autor da obra, Milton Hatoum. Nas poucas páginas do conto, o que se tem é a narrativa de um caso, feita por um velho mascate contador de causos.

Ele narra aos netos e amigos a história de Dalberto, dono de um barco chamado Princesa Anaíra. É um caso de paixão e morte, envolvendo uma mulher e três irmãos – todos ardendo de desejo na Amazônia profunda. Curioso, a figura de quem conta a história lembra o tom de Marlow, o narrador de Joseph Conrad em vários romances, inclusive no clássico O Coração das Trevas.

Apenas que no conto fala-se da viagem de barco, e esta conduz ao desfecho, como se a história ganhasse sentido de trás para frente e guardasse seu segredo até o fim. Ao passo que no filme tudo se passa em linha reta, com um sentido de angústia que vai crescendo e pesando a cada passo. Uma história de fibra, talvez apta a despertar o público, ainda arredio com o cinema brasileiro após a pandemia. Este vale a pena ver, e, de preferência, numa boa sala de exibição.

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