Cine PE: O anacrônico Cordel do Amor sem Fim e o inventivo Estação Janga-Lua


RECIFE – Cordel do Amor sem Fim, de Daniel Alvim, é o segundo concorrente em longa-metragem do Cine PE. O título remete a certa aura romântica – o que o filme comprova.

A origem é teatral, fato que ficamos sabendo pela entrevista do diretor e da atriz Helena Ranaldi, uma das três personagens principais, produtora e esposa do diretor. Mas isso já se poderia adivinhar pela estética empregada.

A história fala de três irmãs que vivem na fictícia Cidade Bonita, à beira de um rio. Uma delas está noiva de um certo José, que vai pedi-la em casamento. Por acaso, ao fazer compras para o almoço, ela conhece um viajante chamado Antonio e ambos se apaixonam. Antonio sai em viagem e promete voltar. Mas nunca volta. Ou, pelo menos, demora anos para fazê-lo.

É um filme de espera – palavra que deriva de esperança. Esse seria o mote da obra: a esperança termina apenas com o cessar da vida.

A história evolui num clima bastante artificial, se levarmos em conta a tendência realista, dominante no cinema. Três irmãs sozinhas na mesma casa. Uma espera o amado que nunca volta, outra toma as providências básicas e parece a mais racional. A terceira, Madalena (Helena Ranaldi), por algum motivo, jamais sai à rua. Poucos outros personagens compõem a trama – José, o noivo preterido que, pela amargura, dá-se à bebida e à violência. Antonio, o amado de Tereza, que pouco ou nada aparece. Um ou outro morador do vilarejo.

O uso intenso da música e um tipo de fotografia muito colorida, uma narração em off onipresente, a pegada romanesca e a dublagem do elenco – tudo contribui para dar um ar anacrônico ao longa. O que não seria problema, caso ele tivesse elementos para seduzir o espectador por outras vias. Por exemplo, por um breve realismo mágico, apenas esboçado. Mas, em aparência, essa química não se dá. Tudo é correto, porém frio, neutro, distante. Não se entende bem o que é feito da matéria-prima motivacional da história, que seria a espera, e a esperança. Gira no vazio. E, como não se realiza no espaço cênico, precisa ser reforçada pela narração em off. Não funciona, em síntese.

Em compensação, na mostra vespertina Inquietações, não competitiva, fomos brindados com um insólito e envolvente Estação Janga-Lua (O Segundo Mundo do Rádio), de Chia Beloto e Rui Mendonça. Foi uma sessão bem animada no Cinema do Porto, com ainda dois ótimos curtas-metragens, a animação Era uma Noite de São João, de Bruna Valden, e Utopia Muda, de Julio Matos.

Estação Janga-Lua mostra o cotidiano de Mestre Zeca do Rolete, um senhor apaixonado por rádios. Ele tem uma oficina cheia de engenhocas e gosta de aparelhos de rádio antigos. Também fabrica armadilhas para caranguejos e é um narrador inspirado e bem-humorado. Tem aquela chamada sabedoria do povo, conhecimento vindo da experiência de vida e do trabalho empírico.

O filme é descrito como “documentário” e é mesmo, em parte. Pelo menos até seu Seu Zeca tornar-se personagem de ficção e o próprio filme enveredar pela invenção cinéfila ao dialogar com George Méliès e com a famosa transmissão de Orson Welles de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells.

Assim como seu Zeca é um espécie de bricoleur de peças de rádios e outras engenhocas, a dupla de diretores junta partes em aparência díspares e “fabrica” um filme híbrido, cheio de graça e energia. Muito bom.

Já conhecia a animação paraibana Era uma Noite de São João e foi agradável revê-la. Curta sobre a pandemia, mostra a cidade esvaziada em plena festa de São João, a predileta dos nordestinos. Cada qual isolado e triste em sua casa, até que na varanda surge mestre Sivuca e seu acordeon, tocando uma música de Luiz Gonzaga. É a senha para que toda a cidade desperte e vá para as janelas numa confraternização coletiva, na qual surgem várias personalidades do mundo das artes paraibanas, como Ariano Suassuna, os integrantes da família Lira e o próprio poeta Augusto dos Anjos, que surge do fim dos tempos, e vestido a caráter, para celebrar a vida com seus conterrâneos. Muito divertido, bonito e emocionante.

Utopia Muda fala da experiência dos estudantes da Unicamp com uma rádio comunitária. Foi instalada na caixa d’água da universidade e apelidada de Rádio Muda porque, no começo, vivia em silêncio a maior parte do tempo. Depois, pegou no breu e se tornou, de fato, uma rádio comunitária, em que todos os grupos e tendências tinham direito à expressão, tanto oral como musical. Com o sucesso, chamou a atenção das autoridades, que acabaram lacrando a entrada. O curta ainda discute a liberdade de expressão e seus limites, tema bastante atual em época de fake news. O filme é política na veia.

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