Presença italiana no cinema brasileiro


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Otelo Zeloni, Rossana Ghessa, Andrea Tonacci, Gianni Ratto, Arduíno Colassanti, Franco Zampari, Gianfrancesco Guarnieri…o que essa gente toda tem em comum? Duas coisas: o sobrenome italiano e ter participado da construção do cinema nacional.

Em seu livro Participação Italiana no Cinema Brasileiro (Sesi-SP, edição bilíngue português-italiano), o pesquisador e também “oriundo” Maximo Barro faz uma generosa prospecção da presença de italianos natos na construção da cultura do nosso país – em especial de seu cinema, embora muitos deles militassem também em outras áreas, como teatro e artes plásticas.

O volume abre com três apresentações, uma do senador da República Italiana, o brasileiro ítalo descendente Fausto Longo, e duas do próprio Barro que, em textos separados, descreve as condições gerais do processo migratório de italianos para o Brasil e, em seguida, mostra como alguns desses novos habitantes vieram a dedicar-se à arte do cinema, ajudando primeiro a implantá-la no país e, depois, a desenvolvê-la.

São textos breves, porém bastante interessantes, que precedem o filé mignon do volume, os verbetes que biografam 127 personagens ítalo-brasileiros. O primeiro dos textos de Maximo Barro resume o processo de gigantesca imigração italiana ao Brasil, de números ainda indefinidos, mas que se contam na casa dos milhões. Por razões diversas, a Itália mandou para o exterior, entre 1871 e 1911, nada menos que cerca de 10 milhões de seus cidadãos. Só em São Paulo entraram 1,5 meio de italianos. Mas chegaram também ao Sul do país, ao Rio, em todas as regiões. Era normal que pelo menos uma parte dessa italianada toda se dedicasse ao cinema.

A começar pelos irmãos Segreto, que se dedicaram à indústria do entretenimento no Rio de Janeiro. Entre eles, Alfonso, de que se dizia ser anarquista e teria chegado ao Brasil fugido da perseguição política. Durante muito tempo, atribuiu-se a Alfonso a fundação mítica do cinema brasileiro. Teria ele filmado as nossas primeiras imagens, do Rio de Janeiro, tomadas a bordo do paquete emblematicamente chamado Brésil. Mas pesquisas relativamente recentes desmentiram o mito, bom demais para ser verdade. O fato é que ninguém havia visto o suposto filme de Alfonso. O que não se desmente, no entanto, é ter Alfonso sido o primeiro grande cinegrafista brasileiro. Seus irmãos Pasquale e Gaetano, nascidos em San Martino de Cilento, pronvícia de Salerno, Nápoles, fizerem sua parte: abriram laboratórios e dedicaram-se à programação das salas do seu circuito exibidor.

Outros italianos dedicaram-se ao lado comercial e industrial do cinema. Caso do napolitano Ugo Sorrentino, que emigrou para o Brasil em 1914, empregando-se nas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Depois da guerra, estabeleceu-se por conta própria e criou o circuito Art. Foi dono do Art Palácio, cinema mitológico em São Paulo, que do luxo decaiu até se transformar em notório pulgueiro.

No domínio artístico proliferaram sobrenomes peninsulares, muitos deles são lembrados com carinho até hoje pelo distinto público. Entre eles, Otelo Zeloni, que nasceu em Roma em 1921 e, em 1947, já se encontrava em São Paulo. Fez sucesso no cinema e em TV, através da qual fez rir mais de uma geração de brasileiros ao lado do inigualável Ronald Golias. Está presente em créditos de 21 filmes (segundo listagem do livro), entre eles uma obra-prima do cinema brasileiro, São Paulo Sociedade Anônima, de Luís Sérgio Person, no qual contracena com Walmor Chagas fazendo um desonesto bon vivant, dono de uma fábrica fajuta de auto-peças.

O siciliano de Messina Adolfo Celi (1922), que trabalhou com monstros sagrados do cinema italiano como Vittorio Gassman, Luciano Salce e Mario Monicelli, veio parar no Brasil nas asas da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada em 1949 pela burguesia paulistana, cansada da estética avacalhada da chanchada carioca. Dirige o primeiro filme da companhia, Caiçara e, depois, Tico-Tico no Fubá, biografia romantizada do compositor Zequinha de Abreu (vivido por Anselmo Duarte). Celi dividia-se entre a Vera Cruz, sempre assediada por dívidas, e o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Em meados dos anos 1960, retornou ao país natal e retomou a carreira de ator europeu.

A Itália também nos deu atores como Arduíno Colassanti e atrizes como Giulia Gam e Rossana Ghessa, diretores fundamentais como Gianni Ratto e Andrea Tonacci, além de figurinistas, montadores, fotógrafos, continuístas e assistentes de direção. Pode-se apostar que nenhuma das etapas dessa arte coletiva chamada cinema deixou de ter em suas fileiras, em alguma época, ou em alguma função, um oriundo ou uma oriunda.

Embora fundamental e bastante elucidativo, o volume Participação Italiana no Cinema Brasileiro é ainda incompleto, ponto de partida para pesquisas mais aprofundadas sobre o vasto tema. O próprio autor do livro reconhece sua incompletude. Dá nome a alguns profissionais dos quais ouviu falar mas não tem maiores informações para escrever sobre eles. Nomeia, em breves traços, algumas figuras como Graça Morena, nascida em Gênova, desenhista e caricaturista, além de atriz em Barro Humano; ou Rosina Cianelli, primeira mulher a filmar no Brasil. Os nomes vão se sucedendo, com a doce música italiana a soar nos ouvidos – Griselda Lazaro, Domenico Casarini, Armanda Mazza, Ernesto Papini, Amilca Pelice, Ítalo Dandini…e tantos outros. Quem foram? Pouco se sabe.

“A lista é longa, porém tristemente incompleta e, escrevendo isso sentimos o travo amargo devido à ausência de tantos que continuarão no esquecimento”, lamenta-se Maximo Barro.

Mas, valeu. Lembrar de parte, embora incompleta, desse imenso legado é também dar início ao infindável processo de recuperação histórica.

Alguns perfis

Rossana Ghessa (Cagliari/Sardenha, 1943). Chegou ao Brasil em 1950 e começou no meio artístico como garota-propaganda e modelo. Sua estreia no cinema foi com Paraíba, Vida e Morte de um Bandido. Fez dezenas de filmes na chamada Boca do Lixo, e seu melhor trabalho é Bebel, Garota Propaganda, de Maurice Capovilla.

Gianfrancesco Guarnieri (Milão, 1934-2006). Chegou ao Brasil em 1936 e transformou-se num dos nomes principais do Teatro de Arena. Trabalhou muito em televisão e marcou o cinema com sua passagem a partir de O Grande Momento, de Roberto Santos. Interpretou também em Eles não Usam Black-tie, peça de sua autoria que Leon Hirszman adaptou para o cinema.

Giulia Gam (Perugia, 1966). Frequentou o grupo de Antunes Filho, no qual participou de peças como Romeu e Julieta e Macunaíma. No cinema, fez Sábado, de Ugo Giorgetti, Policarpo Quaresma, de Paulo Thiago e O Mandarim e Miramar, de Julio Bresssane, entre outros.

Andrea Tonacci (Roma, 1944-2016). Imigrou em 1953, estabelecendo-se em São Paulo. Um dos nomes principais do chamado “cinema marginal”, dirigiu filmes como Bang Bang e Blá-Blá-Blá. Deixou como legado uma das obras-primas sobre a questão indígena brasileira, o documentário Serras da Desordem.

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