Cine Ceará 2020: ‘Última Cidade’ e ‘As Boas Intenções’


Primeiro competidor brasileiro, o cearense Última Cidade, de Victor Furtado, põe em fricção os universos rural e urbano.

A história é a de um cavaleiro (Quixote?) que vai para a cidade grande enfrentar alguém que lhe roubou a terra. Na viagem, conhece um andarilho de ar um tanto alucinado. Assim, a trinca formada pelo cavalo branco, pelo cavaleiro (Júlio Adrião) e seu escudeiro adentram a cidade de Fortaleza à procura de seus moinhos de vento. Só que, no caso deste Quixote sertanejo, e diferentemente daquele nascido em algum lugar da Mancha que queria esquecer, os moinhos de vento parecem bem reais e atendem pelo nome de capitalismo selvagem.

O filme tem esse ar alegórico, jogando numa história de tom fantástico o brutalismo da desigualdade social brasileira. E também a polarização entre os universos do sertão e da cidade. Embora a taxa de urbanização da população brasileira seja de 85%, o campo, com seus códigos e tradições, parece ainda bem fincado no imaginário do país e, talvez, em seu inconsciente coletivo.

Daí o estranhamento sentido por João (Agrião) ao se defrontar com personagens como a pessoa transgênero que o aborda na estrada, os tipos estranhos no bar da cidade no qual entra, e, ainda, o grupo de motoqueiros que o ataca e rouba seu cavalo no interior de um túnel. O recurso ao fantástico e à alegoria funcional. O filme tem boa dinâmica. E o desfecho pode desconcertar (de maneira positiva) o espectador. Isto é, abalando sua posição passiva e confortável.

As Boas Intenções, da argentina Ana García Blaya, mostra, com leveza, o drama de uma família portenha que tem de tomar uma decisão radical. É ambientado nos anos 1990, quando a Argentina vive mais uma crise econômica.

Amanda tem dez anos e dois irmãos mais novos. Os pais se separaram e a mãe vive com novo marido, de ar um tanto careta. O pai, Gustavo (Javier Drolas), é pessoa do bem, talvez um pouco cuca fresca demais para quem tem três filhos. Namorador, gosta de tomar uns tragos, ver o River Plate jogar e tocar guitarra com a turma.

Cansada das dificuldades financeiras, a mãe e seu novo marido resolvem se mudar para Assunção, no Paraguai, e levar as crianças junto. Mas Amanda prefere ficar com o pai em Buenos Aires. Eis o dilema.

E eis também o campo de ação preferencial de um certo cinema argentino – a classe média e seus problemas diante da modernidade disruptiva e da recorrente insegurança econômica.

O ponto de vista adotado é de Amanda e possivelmente representa o da diretora, que dedica o filme “a mi papá” e “a mi mamá”. É bem construído, correto, e deixa-se ver.

Mostra competitiva hoje:

Cineteatro São Luiz e Canais Globo https://canaisglobo.globo.com/c/canal-brasil/

20H – MOSTRA COMPETITIVA IBERO-AMERICANA DE LONGA-METRAGEM

Érase Una Vez en Venezuela, Congo Mirador (Era Uma Vez na Venezuela) Anabel Rodríguez. Documentário. 99′. Venezuela-Reino Unido-Áustria-Brasil. 2020. Classificação indicativa: 12 anos

A programação, os filmes e o jeito de assisti-los, você encontra também no site do festival https://www.cineceara.com/

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