Brasília 2021: Lavra (a dor)


Um filme bastante contundente surgiu na segunda noite de competição do Festival de Brasília de 2021. Lavra, de Lucas Bambozzi, não poderia chegar ao público em tempo mais oportuno, neste momento em que a mineração parece ser uma ameaça especial a pairar sobre este pobre país.

O filme toma ares de ficção – mas, no fundo, é um documentário de pura cepa. Camila (Camila Motta) volta ao Brasil depois de passar um tempo no exterior. Ela é de Minas, de Governador Valadares, cidade famosa por seus habitantes bastante dispostos a tentar a sorte em outros países.

Camila também foi. E voltou, na esteira de uma catástrofe ambiental e humana produzida pelo rompimento da barragem de uma mineradora. Enquanto percorre as terras atingidas, e constata a morte de um um rio, O Rio Doce, outra inundação, muitas vezes pior que a primeira, acontece. Desta vez, são mais de 300 vítimas, grandes extensões alagadas, águas poluídas por dejetos químicos. Uma catástrofe, com os nomes de Mariana e Brumadinho para sempre ligados a ela.

Tragédia, no entanto, tratada com o descaso habitual do país para coisas desse tipo. O custo humano, em particular, é sempre relegado para segundo plano.

Bem, e está aí a novidade neste documentário híbrido – ele vai atrás das pessoas atingidas. Ouve gente que perdeu suas terras, as poucas posses, entes queridos, e se encontrava até então esperando por uma reparação que não chega. Ou vem tarde demais. Ou se mostra aquém do que se esperava para repor tantas perdas materiais. Porque as perdas pessoais são irreparáveis.

Não são apenas palavras. Impressionam as imagens, embora já as tenhamos visto no noticiário. Aqui ganham outra dimensão. As paisagens lunares causadas pela mineração, essa atividade extrativista e impiedosa, são de cortar o coração. A trilha sonora do Grivo potencializa o incômodo.

À medida que Camila avança pelo território devastado, sentimos uma espécie de diálogo entre o filme e o magnífico ensaio de José Miguel Wisnik, Maquinação do Mundo – Drummond e a Mineração. Lançado em 2018, o livro fala da destruição do imponente Pico do Cauê, que se instalou na memória visual do garoto Carlos Drummond de Andrade e reapareceu na poesia do adulto. O problema é que o Cauê era riquíssimo em minério de ferro e isso o condenou à morte. Foi inteiramente removido pela Companhia Vale do Rio Doce, transformado numa cratera infame. Esse assassinato ambiental – e da memória – está presente na poesia de Drummond em diversos momentos. Foi-se o Cauê, ficaram as palavras. Leiam, por favor, esse poema extraordinário, A Montanha Pulverizada.

É um pouco isso que Lavra persegue. O que subsiste de uma cultura humana quando ela é submetida a um processo radical de destruição? Sobram lembranças, palavras, algumas imagens, fotos antigas, quiçá uma obra de arte. E, como se vê, sobra o desejo de resistir, ainda que seja esta uma luta muito desigual. Lindo – e triste – filme.

FILHOS DA PERIFERIA (DF) – Direção: Arthur Gonzaga. Curta realista sobre a violência na cidade-satélite de Ceilândia. Dois meninos crescem juntos e, adultos, tomam caminhos diferentes. Mas se juntam – de maneira trágica – quando um deles tem o celular roubado. Seco e eficaz.

CHÃO DE FÁBRICA (SP) – Direção: Nina Kopko Já comentei este filme no recém-encerrado Cine Ceará. Mas este vale a pena ser revisto. Quatro operárias discutem sua condição de mulheres e de trabalhadoras no banheiro, durante a hora do almoço. O ano é 1979 e o local é São Bernardo do Campo, tempo e cidade das greves que mudaram a história do país. Baseado numa peça da Companhia do Latão, o filme é comovente e politicamente forte.

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