Fest Aruanda 2022: Bia e Fim de Semana no Paraíso Selvagem abrem as competições de longas-metragens


JOÃO PESSOA – Dois belos filmes deram início às mostras competitivas do Fest Aruanda 2002: Bia, de Taciano Valério pela mostra nacional, e Fim de Semana no Paraíso Selvagem, de Severino, pela mostra Sob o Céu Nordestino.

Bia (Veronica Cavalcanti) defende uma tese sobre o MST. Corta um relacionamento quando o namorado a pede em casamento. Tem pai e mãe idosos (Zezita Matos e Fernando Teixeira) e busca um rumo na vida. Ela já o tem. Mas ainda não sabe disso. O filme é a história dessa “tomada de consciência”, como se dizia nos anos 1960 quando um personagem ia da alienação à compreensão do seu lugar no mundo em uma sociedade de classes.

Não temos esse esquema marxista em Bia que é, antes de tudo, uma estrutura livre, porém nada caótica. Há muito lugar para o improviso do elenco e, nesse quesito, brilham os veteranos Fernando Teixeira e Zezita Matos que, com humor e compaixão, enchem de vida e alma seus personagens.

O crítico Jean-Claude Bernardet participa à distância, por Skype, dando um pitaco acadêmico na tese de Bia. “Não há uma tese, mas uma reportagem sobre quatro mulheres do MST”, afirma, com aquela franqueza característica de Bernardet, que todos conhecemos. Se Bia olhar para si mesma e ver como ela, professora de classe média, se relaciona com as mulheres do MST, talvez saia daí alguma coisa. Bia agradece, de maneira seca. Mas a observação do crítico tem valor de iluminação. Pelo menos assim a vi, como uma espécie de intervenção psicanalítica, que desconcerta o analisando, mas lhe abre caminhos.

O filme é isso, a observação de uma busca pelo essencial, do livrar-se de penduricalhos, de afetações e de vaidades e dirigir-se a esta coisa meio impalpável, mas que supomos existente, que é a essência da vida, em sua simplicidade. Muito bonito e com desfecho comovente. Dos filmes de Taciano, este, feito com liberdade e com viés libertário, foi o que mais me tocou.

Também muito bom, em outra chave, é Fim de Semana no Paraíso Selvagem, de Severino, concorrente da mostra de longas Sob o Céu Nordestino. Uma nota prévia. Já havia visto esse filme em condições muito menos favoráveis que as encontradas aqui em João Pessoa, onde o assisti numa sala de cinema de ponta, que destaca todas as nuances e potencialidades do cinema encobertas quando se vê um filme muito elaborado numa tela pequena.

Isso para dizer que Fim de Semana é uma obra sensorial, em que o registro fotográfico parece essencial para a absorção da obra, assim como a sutileza do seu trabalho sonoro.

No enredo, Rejane (Ana Flávia Cavalcanti) volta para a praia onde seu irmão, um exímio mergulhador, foi morto em circunstâncias obscuras. É um filme de mistério, mas no qual todos os elementos contribuem para mergulhar o espectador numa relação entre fascínio e interesse pela obra.

Como trama, parece ora bastante complexa pela maneira como os fatos vão sendo relatados, de maneira esparsa e nunca linear. Por outra, todo esse mistério tangencia uma das questões mais óbvias da expansão capitalista à brasileira – o desdém pelo meio ambiente e pelo bem-estar das pessoas. Lucro é tudo. E, neste caso, como em muitos outros, para entender a situação em seu conjunto basta seguir o velho conselho do jornalismo investigativo: follow the money. Siga a grana.

A locação se desdobra entre uma praia com residências de um lado e um porto moderno de outro. São como margens, opostas porém integradas, de um mesmo processo, o da agressividade do capital, que passa por um lado pelo transporte de commodities e, por outro, pela especulação imobiliária, que precisa expulsar os moradores tradicionais para se apropriar de suas terras e nela construir bairros ricos ou resorts lucrativos.

Com sua estética bastante climática, e elenco afiado, Fim de Semana no Paraíso Selvagem, passa por uma série de temas como questões raciais e de orientação sexual. Não entram de maneira artificial na estrutura do filme, como tem acontecido com frequência no cinema brasileiro atual. Faz também um mergulho complexo e nada caricato na mentalidade classe economicamente dominante, sobretudo pela personagem vivida pela atriz Joana Medeiros. Seu sorriso artificial sempre à mostra, sugere as presas de um predador prestes a dar o bote.

Sua essência é política e, com isso, se relaciona com o outro filme da noite, Bia, acima comentado. Ambos dialogam, de maneira imprevista e não calculada, porém de forma bem compreensível. Os dois tiram sua força das mesmas contradições do momento presente e seus desafios.

Curtas

Os três curtas da mostra nacional me pareceram bem bons: Saindo com Estranhos da Internet, Tiro de Misericórdia e Carta para Glauber são muito diversos. Mas, como ponto de ligação, saem do lugar-comum do discurso identitário que tem dominado a seleção de curtas em grande parte dos festivais nacionais.

Publicidade

Um comentário em “Fest Aruanda 2022: Bia e Fim de Semana no Paraíso Selvagem abrem as competições de longas-metragens

  1. Que surpresa boa, constatar que o cinema nordestino, ou melhor pernambucano está em alta: o diretor Taciano Valério que acabou de apresentar seu “Espumas ao Vento” no 55º FBCB, em menos de um mês já apresenta novo filme LM no FestParaibano. Melhor ainda é saber que apesar da derrocada do atual desgoverno na área cultural, não sucumbiu a criatividade produtiva dos guerreiros do audiovisual. Parabéns Taciano…

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.