Em noite de Lula-lá, ‘Marighella’ leva os principais troféus do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro


A cerimônia teve tonalidade política do princípio ao fim. Logo na abertura, a atriz Camila Pitanga, que fazia a apresentação ao lado do ator Silvero Pereira, entoou ao microfone: “Lula, queremos você de novo…” E foi muito aplaudida pelo público que lotava a Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Nesse clima, o mais político dos concorrentes – o longa Marighella – levou os prêmios principais. Oito troféus Grande Otelo, incluindo os de melhor filme, diretor estreante (Wagner Moura), ator (Seu Jorge), entre outras.

Wagner Moura subiu diversas vezes ao palco para receber os prêmios por seu filme. Numa das vezes se fez acompanhar por seu filho Bem. O ator – e agora diretor premiado – destacou que começou a carreira de cineasta pelo mais difícil, fazendo uma obra complexa como Marighella, adaptação da biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães. Mas compensou, disse, pois a energia imantada pela memória do guerrilheiro estava lá presente. “É emocionante ver que estamos aqui de volta, juntos”. Disse ainda que estariam juntos quando o atual período político for superado. Alusão às hostilidades do atual governo em relação à classe artística que, no entanto, permanecia unida e ativa.  

O tom político prevaleceu durante toda a longa noite, com vários coros de “fora Bolsonaro” entoados à medida que os prêmios iam sendo entregues. O próprio prefeito do Rio, Eduardo Paes, subiu ao palco para registrar que o momento nebuloso que rejeita a cultura e as artes estava perto do fim – alusão à eleição de outubro. 

Se os prêmios principais de ficção recaíram sobre Marighella, que refaz a trajetória do guerrilheiro assassinado pela ditadura militar em 1969, também como melhor documentário foi escolhido um filme crítico à realidade nacional, A Última Floresta, de Luiz Bolognesi. O diretor recebeu o prêmio em companhia do xamã Yanomami Davi Kopenawa, muitíssimo aplaudido pelo público. Bolognesi destacou que a luta contra a devastação da Amazônia precisa ser feita agora, sob pena de comprometer as futuras gerações. 

Outro que se manifestou politicamente – embora de forma sutil – foi o cineasta Jeferson De, de Doutor Gama. No palco para receber o prêmio de Zezé Motta como melhor coadjuvante, o diretor disse que iria falar 13 vezes o nome da atriz – alusão ao número do Partido dos Trabalhadores. 

Dira Paes, melhor atriz por Veneza, de Miguel Falabella, fez um discurso emocionado. Assim como Aly Muritiba, que levou o prêmio de melhor roteiro original para o seu Deserto Particular. 

Mas talvez o momento de maior emoção da noite tenha sido para prêmio de melhor série de ficção para Dom, da Amazon Prime Video, quando os membros da equipe foram receber a estatueta do diretor Breno Silveira, morto prematuramente em maio. Sob Pressão, da Globo, recebeu o troféu de melhor série em TV aberta. 

Houve prêmios até para o cinema internacional. O melhor filme ibero-americano foi para Ema (Chile), de Pablo Larraín. E o melhor filme internacional para Nomadland (EUA), de Chloe Zhao. 

No total foram distribuídos 32 prêmios (o Oscar concede 23), o que explica a extensão da cerimônia, que começou com 1h15 de atraso e foi terminar de madrugada. 

Se Marighella deu a Wagner Moura o troféu de diretor estreante, o veterano Daniel Filho levou o de melhor diretor por seu O Silêncio da Chuva, thriller policial adaptado da obra de Luiz Antonio Garcia-Roza. A melhor comédia foi Depois a Louca Sou Eu, de Julia Rezende. O público elegeu o filme O Auto da Boa Mentira, de José Eduardo Belmonte. E o melhor longa infantil foi para Turma da Mônica – Lições, de Daniel Rezende, que, na verdade, concorria apenas com Um Tio Quase Perfeito. Mesmo o longa de animação Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente, de Cesar Cabral, levou uma menção honrosa, embora fosse concorrente único em seu segmento. 

Foi uma festa política e também de celebração. Depois de uma edição presencial realizada no Theatro Municipal de São Paulo e duas transmitidas pela TV Cultura, por causa da pandemia, a cerimônia voltava ao vivo e ao Rio de Janeiro, sua casa original. Celebrava também o início de mandato da primeira presidente mulher da Academia Brasileira de Cinema, a produtora Renata Almeida Magalhães. O tema da noite era uma homenagem às mulheres produtoras de cinema. 

A cerimônia foi transmitida pelo Canal Brasil e teve Simone Zuccolotto na apresentação, junto com uma convidada para os comentários, a atriz Karine Telles. No palco, Camila Pitanga encerrava a noite fazendo o sinal de L, de Lula, com o indicador e o polegar abertos. 

PREMIADOS

 “Marighella” (SP-Bahia) – melhor filme, diretor estreante (Wagner Moura), ator (Seu Jorge), fotografia (Adrian Teijido), roteiro adaptado (Felipe Braga e Wagner Moura), direção de arte (Frederico Pinto), Figurino (Verônica Julian), Som (George Saldanha, Alessandro Laroca, Eduardo Virmond e Renan Deodado)

. O Silêncio da Chuva (Rio) – melhor direção (Daniel Filho

. A Última Floresta (SP) – melhor documentário, montagem doc (Ricardo Farias)

. “Veneza” (Rio) – melhor atriz (Dira Paes), maquiagem (Martín Macías Trujillo)

. “Deserto Particular” (PR) – melhor roteiro original (Henrique Santos e Aly Muritiba)

. “Bob Cuspe, Nós Não Gostamos de Gente” – Longa de animação- Menção honrosa, melhor trilha sonora (André Abujamra e Márcio Nigro),

. “Depois a Louca Sou Eu” (Rio) – melhor comédia

. “Turma da Mônica – Laços” (SP) – melhor filme infantil

. “Auto da Boa-Mentira”, de José Eduardo Belmonte (PE-RJ) – melhor filme pelo Júri Popular

. Dr Gama (SP) – melhor atriz coadjuvante (Zezé Motta)

. “7 Prisioneiros” (SP-Netflix) – melhor ator coadjuvante (Rodrigo Santoro)

. “Piedade” (PE) – melhor montagem de ficção (Karen Harley)

. “Contos do Amanhã” (RS) – melhor efeito visual (Pedro de Lima Marques)

. “Emma” (Chile) – melhor filme ibero-americano (de Pablo Larraín)

. Nomadland (EUA) – melhor filme estrangeiro (de Chloe Zoe)

. CURTA-METRAGEM:

. “Yaõkwa, Imagem e Memória” (PE), de Rita Carelli e Vincent Carelli (melhor documentário)

“Mitos Indígenas em Travessia, de Julia Vellutini e Wesley Rodrigues (melhor animação)

. “Ato”, de Bárbara Paz – melhor ficção

. SÉRIE DE TV:

. “Transamazônica, Uma Estrada para o Passado”, de Jorge Bodansky – melhor série documental (HBO)

.”DOM”, de Breno Silveira: melhor série para o streaming (Conspiração)

. “Sob Pressão”,de Andrucha Waddington: melhor série para TV aberta (Conspiração/Globo)

. “Angeli, the Killer”, de César Cabral (melhor série de animação)

5 comentários em “Em noite de Lula-lá, ‘Marighella’ leva os principais troféus do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro

  1. Faltou mencionar a participação de Silvero Pereira como apresentador e também como performer em três canções, começando por “No ano passado eu morri mas esse ano eu não morro” e terminando com “Dias melhores virão”. Ambas ganharam conotação política na ocasião.

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